A Filosofia da Vontade I

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Transcript A Filosofia da Vontade I

• “A consciência de
validade dum método
nunca é separável da
consciência dos seus
limites.”
PAUL RICOEUR
– Família e formação calvinista,
fundação do mosteiro ecumênico de
Taizé, na França
– Universidade de Rennes e Sorbonne
– Lecionou e estudou na Alemanha, até
a II Guerra Mundial
– Prisioneiro de Guerra
– Doutorado em História da Filosofia
pela Universidade de Strasbourg
– Lecionou em Sorbonne, Universidade
de Nanterre, Haverford, Columbia,
Yale, e Universidade de Chicago
– A violência gerada pelo Maio de 68,
demissão em 1970 , acusação de
plágio por parte de Lacan, derrota face
a Foucault na eleição para membro do
Colégio de França: “exílio” nos Estados
Unidos.
– “a morte convida-nos a
transcender a aparente diferença
entre obra e não obra”: morte
de seu quarto filho e da colega
Mircea Eliade
– Grande Prêmio de Filosofia da
Academia Francesa; recebeu mais
de 30 doutoramentos honoris
causa
– "filosofia sem absoluto“ (Pierre
Thévenaz)
– Extensa produção, além da
própria filosofia, textos de
historiografia, teologia,
psicanálise e teoria literária.
O pensamento
– ligação entre a fenomenologia e a análise contemporânea da
linguagem através da teoria da metáfora, do mito e do
modelo científico
– entrecruza vozes filosóficas, trazendo à cena o pensamento
fenomenológico de Kant, Heidegger e Husserl. Confronto
com Freud, Marx e Nietzsche.
– Filosofia do ser, da falibilidade humana
– Forte meditação sobre o voluntário e o involuntário, sobre o
inconsciente e a psicanálise
– Hermenêutica como arte da descoberta de diferentes níveis
de significação
– "identidade narrativa": "eu sou o que eu me conto”
Deus
• Deus: "Observar-se-á que esse ascetismo do argumento,
que marca, creio eu, toda a minha obra filosófica, conduz
a uma filosofia da qual a nominação efetiva de Deus está
ausente e na qual a questão de Deus, enquanto questão
filosófica, permanece em um suspense (melhor: 'em
suspensão') que podemos chamar de agnóstico".
• Religioso: "a referência a uma antecedência, a uma
exterioridade e a uma superioridade", sendo que essas
"três noções são constitutivas da maneira como sou
precedido no mundo do sentido”. O reconhecimento do
sagrado como aquilo que, simultaneamente, nos precede
e nos ultrapassa.
Principais obras
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Karl Jaspers e a Filosofia da Existência, em colab.
com M.Dufrenne (1947);
A Filosofia da Vontade I.
O Voluntário e o Involuntário (1950);
História e Verdade (1955);
Husserl: uma análise da sua fenomenologia
(1967);
Filosofia da Vontade II.
Finitude e Culpabilidade: 1. O homem falível. 2. A
simbólica do Mal (1969);
Da Interpretação.
Ensaio sobre Freud (1965);
Ensaios Políticos e Sociais (1974);
O conflito das Interpretações: Ensaios de
Hermenêutica (1969);
Metáfora Viva (1975);
Teoria da Interpretação: O Discurso e o Excesso de
Sentido (1976);
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Leituras I
À volta da Política. (1991).
Do Texto à Acção, Porto, Rés-Editora, 1991
Da Metafísica à Moral, Lisboa, Instituto Piaget,
1997
O Discurso da Acção, Lisboa, Edições 70, 1988
Teoria da Interpretação, Lisboa, Edições 70, 1987
O Justo ou a Essência da Justiça, Lisboa, Instituto
Piaget, 1997
Ideologia e Utopia, Lisboa, Edições 70, 1991
A Crítica e a Convicção, Lisboa, Edições 70, 1997
Sujeito e Ética, Braga, APPACDM, 1996
Outramente, São Paulo, Vozes.
“Onself as another”
TEMPO
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“Há o tempo do mundo, que me ignora completamente, são milhões e milhões de anos.
De outro lado, o que faz o tempo ser tempo é o fato de o absorvermos e medi-lo.”
Mesmo que o tempo se torne tempo humano e psíquico pela sua estruturação narrativa,
o enigma do tempo cronológico e da relação entre tempo humano e tempo cronológico
permanece.
Agostinho: "Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o
poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir com palavras
seu conceito? (...) O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei,
se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei." (Confissões, XI:14-17
a existência de uma “conexão significativa” entre a função narrativa e a experiência
humana do tempo, já que “o tempo se torna tempo humano na medida em que está
articulado de maneira narrativa”, e, em compensação, “a narrativa é significativa na
medida em que desenha as características da experiência temporal.”
A abertura constitutiva do círculo hermenêutico como condição da compreensão: a
impossibilidade do domínio do sentido frente aos componentes não narrativos da ação e
ao mistério do tempo. Impossibilidade que não paralisa, mas ao contrário, move a
compreensão, a busca de compromisso ético e de uma identidade no tempo.
MAL
• O mal, como o tempo, é aporético no sentido que ele suscita
impasses que o pensamento tem por dever meditar“
• Como o tempo, mas de maneira muito mais dramática, a explicação
do mal escapa ao pensamento, apesar de todas as tentativas e
tentações de teodicéia que os homens, em particular os filósofos,
se comprazem em construir.
• Denúncia de qualquer justificativa daquilo que permanece
injustificável. Evita propostas totalizantes e desemboca numa
reflexão ética sobre o justo, remetendo mais à sabedoria prática
que ao saber ou à ciência.
• Filosofia da vontade: a finitude, a culpabilidade, o mal, justamente
figuras dolorosas do involuntário. A não-soberania do sujeito
consciente e sua relação simbólica e cultural com esse outro que
lhe escapa.
LINGUAGEM
• “Dizer que o discurso é um evento é dizer, antes de tudo,
que o discurso é realizado temporalmente e no presente,
enquanto que o sistema da língua é virtual e fora do
tempo”.
• “O discurso remete a seu interlocutor, mediante um
conjunto complexo de indicadores, tais com os pronomes
pessoais”. Assim, “a instância do discurso é autoreferencial”.
• Metáfora: se não se procurarmos os sentidos metafóricos
da linguagem em vários lugares, incluindo a Bíblia, não
vamos entender o sentido do texto.
• Um símbolo separado não tem sentido; ou melhor, um
símbolo separado tem demasiado sentido.
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Um signo não tem, ou não é, uma
significação fixa, mas um valor em
oposição aos outros valores; resulta
da relação duma identidade e duma
diferença, esta regulação proveniente
do conflito entre a expansão
semântica dos signos e a ação
limitante do campo, assemelha-se,
nos seus efeitos, à organização dum
sistema fonológico, ainda que difira
dele profundamente no seu
mecanismo.
Mas há um mistério da linguagem: a
linguagem diz, diz alguma coisa, diz
alguma coisa do ser. Se há um
enigma do simbolismo, ele reside
inteiramente no plano da
manifestação, onde a equivocidade
do ser vem dizer-se na do discurso
A palavra é muito mais e é muito
menos do que a frase.
As palavras têm mais do que um
sentido, mas não têm um sentido
infinito.
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Cálice – Chico Buarque
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“Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...(2x)
Como beber dessa bebida amarga;
Tragar a dor e engolir a labuta?
Mesmo calada a boca resta o peito.
Silêncio na cidade não se escuta.
De que me vale ser filho da santa?!
Melhor seria ser filho da outra;
Outra realidade menos morta;
Tanta mentira, tanta força bruta.
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano.
Quero lançar um grito desumano,
Que é uma maneira de ser escutado.
Esse silêncio todo me atordoa...
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada, prá a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa.”
“
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• A linguagem quer dizer; ela conquistou a
realidade e exprime o poder da realidade sobre o
pensamento. (...) Falar é o ato pelo qual o locutor
supera a clausura do universo dos signos, na
intenção de dizer alguma coisa sobre alguma
coisa a alguém; falar é o ato pelo qual a
linguagem se excede como signo em direção a
sua referência e em direção ao seu em face.
• Falar é um acontecimento atual, um ato
transitório que desvanece.
Identidade narrativa
• O acontecimento completo não é apenas que alguém tome a
palavra e dirija-se a um interlocutor, é também que ambicione levar
à linguagem e partilhar com outro uma nova experiência. É essa
experiência que, por sua vez, tem o mundo como horizonte.
Referência e horizonte são correlativos como o são a forma e o
fundo. Qualquer experiência possui, ao mesmo tempo um contorno
que a cerca e discerne e ergue-se sobre um horizonte de
potencialidades que constituem seu horizonte externo e interno. […
]
• Essa pressuposição muito geral implica que a linguagem não
constitui um mundo ela própria. Ela não é sequer um mundo.
Porque estamos no mundo e somos afetados por situações,
tentamos nele nos orientar por meio da compreensão e temos algo
a dizer, uma experiência a levar à linguagem e a partilhar.
• Idéia de idem (manutenção pura e simples dos caracteres ao longo
do tempo, resultando em um princípio denominado de
“mesmidade”) e ipse (do qual decorre um modelo fluido de
identidade, constituído pela linguagem e regido por um princípio de
“ipseidade”).
• Mecanismos capazes de estabelecer compromissos com o tempo
por meio da palavra, em um processo constante de estruturação,
um processo constante e inconclusivo de identificação.
• Compreender é compreender-se diante do texto.
• “A compreensão torna-se, então, o contrário de uma constituição
de que o sujeito teria a chave. A este respeito, seria mais justo dizer
que o si é constituído pela “coisa” do texto.”
• “A compreensão torna-se, então tanto desapropriação quanto
apropriação.”
• Alguém fala a alguém; aí está o essencial do ato
de comunicação. Através deste traço, o ato da
fala opõe-se ao anonimato do sistema; existe a
fala onde um sujeito pode retomar num ato,
numa instância singular do discurso, o sistema de
signos que a língua põe à sua disposição. Esse
sistema permanece virtual enquanto não é
executado, realizado, operado por alguém que,
ao mesmo tempo, se dirige a um outro. A
subjetividade do ato de fala é imediatamente a
intersubjetividade duma alocução.
REAPROPRIAÇÃO TRANSFORMADORA:
REFIGURAÇÃO
• Cogito quebrado ou ferido: unidade entre o sujeito e o mundo em cada
ação.
• Certo apagamento do intérprete em favor da obra. “Desapropriação de si"
para deixar o texto; produzir, graças ao confronto entre o universo do
intérprete e o universo interpretado, uma transformação de ambos.
• É o caráter fundamentalmente lingüístico da experiência que permite a
compreensão de si e a compreensão das possibilidades de transformação
de si e do mundo.
• A idéia de uma compreensão de si e do mundo passa necessariamente
pela análise dos signos e das obras que encontramos no mundo e que
precedem nossa existência individual.
• Configuração: "as operações narrativas elaboradas no interior mesmo da
linguagem“
• Refiguração: "a transformação da experiência viva sob o efeito da
narração"
• “A hermenêutica, pela qual deve passar a filosofia
reflexiva, não deve confinar-se aos efeitos de sentido e
de duplo sentido: ela deve ser afoitamente uma
hermenêutica do eu sou. Só desta maneira podem ser
vencidas a ilusão e a pretensão do Cogito idealista,
subjectivista, solipsista. Só esta hermenêutica do eu
sou pode envolver ao mesmo tempo a certeza
apotídica do eu penso cartesiano e as incertezas, e
mesmo as mentiras e as ilusões do si, da consciência
imediata; só ela pode manter lado a lado a afirmação
serena: eu sou e a dúvida pungente: quem sou eu?”