Cheiro de amor e de Saudades

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Transcript Cheiro de amor e de Saudades

CHEIRO
DE AMOR
E DE
SAUDADE
Luiz Daniel Franckini
In Memoriam de
Poema para ser lido em voz alta.
Com som.
Daniel Franckini
Quando eu era criança lá em
Alegrete, quase fronteira oeste do Rio
Grande do Sul, por volta dos
meus oito anos, lembro com muita
saudade da sequência da anunciação
da Maria-fumaça, trem vindo de
Quaraí, longínquo rincão quase
dentro do Uruguai.
Primeiro o apito característico,
forte e duradouro, causado por uma
baforada de vapor drenado da
caldeira sobre um orifício no alto da
parte dianteira da máquina, depois, o
odor de queima de lenha e carvão
que emanava por quilômetros.
E por fim, a parte que fazia meu
coração disparar: a entrada triunfal e
majestosa no recinto da Viação Férrea
daquela geringonça de focinho preto
e que resmungando vapores por
todos os lados, chegava a levantar as
pedrinhas que calçavam os trilhos.
Engatados numa fileira obediente,
vinham os vagões. O da lenha, o do
correio, os vagões de segunda classe,
cujos bancos eram de madeira, depois
os da primeira classe, com bancos
acolchoados.
E por último, o carro dormitório, para
os passageiros mais abastados.
Mas todos os passageiros,
independente da classe ou vagão,
acenavam freneticamente para os
moradores das redondezas,
como coadjuvantes de uma cena
cinematográfica da mais alta plástica
e emoção.
Depois que o trem passava, e parava
na estação, o caminho estava livre
para eu cruzar os trilhos e ir
encontrar meu pai na oficina do outro
lado, beirando a linha férrea.
Ele sempre sério, porém amável, me
saudava com um cumprimento: “Tudo bem alemão?”
E após eu consentir com a cabeça, o
acompanhava oficina adentro, com o
coração novamente aos pulos.
Primeiro a marcenaria, com o
cheirinho da madeira e as
ferramentas cobertas de serragem,
depois a parte destinada a pintura
com o cheiro forte de tintas e
removedores.
E o último ambiente era a ferraria,
com um enorme forno, cuspindo
objetos incandescentes, que o ferreiro,
nego Juca, dava a forma desejada
com marretadas, amparadas por
uma bigorna, que na época, me
chegava ao pescoço.
Desde aquele tempo, eu sabia
que aquele era um ambiente mágico,
único, com cheiro e forma de carinho,
confortável e acolhedor como o amor
de um pai, e que eu deveria guardar
aqueles momentos para sempre.
Hoje após um ano de falecimento de
meu pai, puxo pela minha memória, e
com muita saudade dele, sinto o
cheiro da maria-fumaça, da tinta e da
madeira recém cortada, cheiro de
minha infância, cheiro do meu Pai.
...maria-fumaça,
...cheiro de
minha infância,
...cheiro do meu
Pai.
Com Saudades,
do teu Alemão.