Eutanásia, Ortotanásia e Distanásia:

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Transcript Eutanásia, Ortotanásia e Distanásia:

Eutanásia, Ortotanásia e
Distanásia:
Uma reflexão frente ao princípio
da autonomia da vontade
“Houve um tempo em que nosso poder perante
a morte era muito pequeno. E, por isso, os
homens e as mulheres dedicavam-se a ouvir a
sua voz e podiam tornar-se sábios na arte de
viver. Hoje, nosso poder aumentou, a morte foi
definida como inimiga a ser derrotada, fomos
possuídos pela fantasia onipotente de nos
livrarmos de seu toque. Com isso nós nos
tornamos surdos às lições que ela pode nos
ensinar.”
Rubens Alves
1.DIREITOS DA
PERSONALIDADE
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São inatos, absolutos, extrapatrimoniais,irrenunciáveis,
imprescritiveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários,
intransmissíveis e oponíveis erga omnes –
reconhecimento da dignidade da pessoa humana (art.
1°, III CR/88)
Surgimento: Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948) – fortalecimento a partir do fim da Segunda
Guerra Mundial
Direitos Humanos: oponibilidade em relação as
arbitrariedades X Direitos da personalidade:
oponibilidade em relação aos perticulares (Freire de Sá e
Naves)
1.1. Direitos da Personalidade no
ordenamento jurídico pátrio
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Direitos cujo objeto é o modo de ser físico ou moral das pessoas –
proteção da essência humana – subdivididos em: a) direitos físicos
da personalidade (corpo, imagem, efígie...); b) direitos psíquicos da
personalidade (liberdade, intimidade, sigilo...); c) direitos morais da
personalidade (identidade, honra, intelecto...). (Carlos Alberto
Bittar)
Código Civil: art. 11 – exceções: arts. 13 a 15.
Disponibilidade relativa: remoção de órgãos, tecidos e partes do
corpo humano para fins de transplantes e utilização de cadáver não
reclamado, para fins de estudos ou pesquisas científicas- disposição
GRATUITA do próprio corpo depois da morte (evitar o comércio
ilícito do corpo e fomentar o progresso da ciência da medicina)direito de recusa de algum tratamento arriscado (princípio da
autonomia da vontade)
Os Direitos da Personalidade transcendem o ordenamento jurídico
positivo.
1.2. Direitos da Personalidade em
espécie
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Direito à vida: indisponibilidade- tipificação de “suicídio tentado”?
Direito à integralidade física: higgidez física e lucidez mental
Direito ao corpo: totalidade e partes individuais
Direito à imagem: conjunto ou partes significativas do ser humano, que o
diferencia da coletividade
Direito à voz: emanação sonora do indivíduo (característica
inidividualizadora)- uso e veiculação isolada da voz- mesmo moldes do
direito à imagem
Direito à liberdade: faculdade de fazer e deixar de fazer algo, nos termos e
limites do sistema jurídico- desenvolvimento humano nos níveis pessoais,
negociais e espirituais- estendida no que couber às pessoas jurídicas- salvo
sanção estatal, mas mesmo assim, o homem não perde absolutamente a
liberdade , esta é restrita ou reduzida
Direito à intimidade: privacidade humana nos aspectos pessoais, familiares
e negociais- direito negativo- pode ser relativizado em razão de relevante
interesse social
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Direito à integridade psíquica: proteção da mente- identificação da
estrutura interna do ser humano- conjunto pensante é definidor
para a dignidade da pessoa humana
Direito ao segredo (direito ao sigilo): protege os interesses pessoais,
documentais, profissionais ou comerciais- preservação exclusiva do
conhecimento do segredo
Direito à identidade: nome, apelido, pseudônimo, firma ou razão
social, marca, símbolo- particularização do sujeito
Direito à honra: desde o nascimento e acompanha após a mortebem tutelado é a reputação da pessoa (bom nome e boa fama da
pessoa no âmbito subjetivo e frente à sua dignidade)
Direito ao respeito: consequencias que refletem apenas no
ofendido, que sofre qualquer tipo de diminuição ou constrangimento
pessoal
Direito às criações intelectuais: protege a vinculação do autor com
sua obra, resguardando na digital, a personalidade do criador de
obras estéticas ou utilidades- atribuição moral econômica
(participação do autor nos proventos da obra)
2. Formas de intervenção médica
no direito à vida
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Qualidade de vida e “imortalidade”- temor
da morte sofrida- direito à vida X
dignidade humana, à liberdade, à
integridade física, ao direito ao corpo
2.1. Eutanásia
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Termo criado no séc. XVII, pelo filósofo inglês
Francis Bacon – deriva do grego eu (boa),
thanatos (morte), podendo ser traduzido boa
morte, morte piedosa, crime caritativo, ou,
simplesmente, direito de matar
Conceito jurídico: direito de matar ou direito de
morrer, de forma a por termo ao sofrimento de
um enfermo que sofre de um mal incurável ou
de dor e agonia incomensurável
2.1.1 Aspectos históricos da
Eutanásia
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Tempos remotos: provocação da boa morte
Grécia: eutanásia como seleção humana (Monte Taijeto) – atualmente
condenável em todo mundo (eutanásia eugênica)
Platão ( “A República”): Estabelecerá em nossa República uma medicina e
uma jurisprudência que se limitem ao cuidado dos que receberam da
natureza corpo são e alma formosa, e pelo que toca aos que receberam
corpo mal organizado, deixa-los morrer e que sejam castigados com pena
de morte os de alma incorrigível
Direito Romano: corpo entendido como não sendo de propriedade privada –
Estado ordenava a eutanásia eugênica
Idade Média (Direito Canônico) : suicídio entendido como homicídio –
sanção penal aplicada no próprio cadáver – Existência da “misericórdia”
Iluminismo : vedou a tipificação do suicídio como crime
Final do séc. XVIII e início do séc. XIX : S.D. Williams sugeriu o uso de
anestésicos como meio de por termo à vida de determinados pacientes
Inglaterra/ 1931: projeto de lei para a legalização da eutanásia voluntária,
rejeitada em 1936
Uruguai/ 1934: possibilidade da prática da eutanásia, em seu código penal,
sob a roupagem de “homicídio piedoso”
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Alemanha/ 1939: eutanásia nazista (eugenia e higienização social)
Igreja Católica/ 1956: veredicto contrário a eutanásia
Papa Pio XII: aceitou o encurtamento da vida como efeito não causal da
utilização de drogas para a diminuição dos sofrimento que podem acarretar
ou adiantar a morte
Associação Mundial de Medicina/ 1968: resolução contrária a eutanásia
Holanda/ 1973: Julgamento da Dra. Geertruida Postma estabeleceu os
critérios e limites de atuação do médico
Vaticano/ 1980: Divulgação da “Declaração sobre a eutanásia”, onde
aceitou a cessação de tratamento considerado fútil em paciente acometido
por moléstia incurável
Corte de Rotterdam/ 1981: critérios para a condução do auxílio à morte
Real Sociedade Médica dos Países Baixos: não legalizou a eutanásia, mas
criou um protocolo de notificação para isentar o profissional da saúde de
processos criminais
Brasil/ 1996: Projeto de Lei 125/96 (Senado Federal)
Estado de Oregon/ 1997: legalização do suicídio assistido
Corte Constitucional da Colômbia/ 1997: estabeleceu que ninguém seria
criminalmente punido por levar a morte um paciente em estado terminal
Holanda/ 2000: legalização da morte assistida, inclusive aos menores que
solicitarem tal procedimento
Holanda/ 2001: legalização da eutanásia
2.1.2 Classificações da eutanásia
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Quanto à iniciativa: a) voluntária; b)
involuntária; c) não-voluntária
Quanto aos fins: a) libertadora; b) piedosa; c)
duplo efeito; d) eugênica; e) econômica
Quanto à ação e métodos: a) eutanásia ativa
(benemortásia ou sanicídio); b) eutanásia
passiva (ortotanásia ou paareutanásia);
eutanásia social (mistanásia)
2.1.3 Posicionamentos
Controvertidos

Posição contrária à eutanásia: respeito
pela vida humana, com o reconhecimento
de que a vida não pode ser colocada à
livre disposição do homem. O DIREITO É
À VIDA E NÃO SOBRE A VIDA →
equiparação ao suicídio assistido →
debilidade emocional → defesa do
aspecto de indisponibilidade da vida

Posição favorável à eutanásia: morrer com
dignidade é um direito que deve ser reconhecido
a quem pede →não degradação física ou
intelectual do paciente →a vida não é apenas
biológica, e, sim, uma experiência de viver
→diferença entre ser vivo e vida humana: Mas é
preciso distinguir ser vivo e vida humana. Esta
só existe para um sujeito de linguagem e supõe
relação, afetividade, criatividade. Quando uma
pessoa não consegue se relacionar, comunicarse, criar e ter uma vida afetiva, ela está, na
verdade, à margem da vida (José de Anchieta
Corrêa)
2.1.4 Direito Comparado

Quando da tipificação da eutanásia e
suicídio assistido como crime: caso de
força maior, o médico estava obrigado a
comunicar a intervenção eutanásica ao
Ministério Público, mediante apresentação
de formulário onde, se fosse de fato
comprovado indícios convincentes do
estado de necessidade justificado, o órgão
estaria autorizado a desistir da ação penal.

1)
2)
3)
4)
5)
6)
Critérios do formulário:
Solicitação deve ser a expressão volitiva,
avaliada, repetida e explicita do doente;
Deve haver uma relação médico-paciente de
total confiança, a fim de legitimar o
julgamento do pedido do enfermo;
O sofrimento deve ser insuportável e sem
perspectiva de melhora, segundo a opinião do
profissional;
A discussão sobre a alternativa da eutanásia
deve ser ampla;
Deve ser consultado outro médico;
O médico deve executar com cuidado a
eutanásia.
OBS: Em caso de menores, doentes mentais
e enfermos e estado de coma ou
vegetativo: o Ministério Público seguia
com a ação penal, cabendo ao juiz decidir
sobre a existência ou ausência do estado
de necessidade justificado.

Legalização da eutanásia: critérios
similares aos observados quando do
preenchimento do r. formulário. A
legalização da eutanásia foi calcada
principalmente no direito da autonomia da
vontade privada, pois se o Estado
Democrático a desconsiderar, ele será
baseado numa ideologia oca.
2.2 Ortotanásia


Conceito: orto (certo), thanatos (morte) –
morte correta; não-prolongamento
artificial do processo de morte
Deve ser praticada pelos médicos
juntamente com os chamados tratamentos
paliativos →respeita o direito à autonomia
do paciente, amenizando o sofrimento,
dando-lhe o direito a uma morte digna
2.2.1 Posicionamentos
controvertidos
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Eutanásia passiva X eutanásia de duplo
efeito
2.2.2 Ortotanásia e os tratamentos
paliativos
Idade Média: hospices - albergues de abrigo e
cuidado
 1950: Dame Cecily Saunders fundou St.
Christopher Hospice, em Londres →quatro
elementos para a verificação da “dor total”:
1) Dor física;
2) Dor psicológica ou emocial;
3)Dor social
4)Dor espiritual
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Conceito (1990- Organização Mundial da
Saúde): O cuidado ativo e total dos
pacientes cuja enfermidade não responde
mais aos tratamentos curativos. Controle
da dor e de outros sintomas, entre outros
problemas sociais e espirituais são da
maior importância. Os objetivos dos
cuidados paliativos é atingir a melhor
qualidade de vida possível para os
pacientes e suas famílias
2.2.3 Ortotanásia e o Direito Penal
Brasileiro
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Ortotanásia e a Resolução CFM n°
1.805/2006: regulamentação e suspensão
dos procedimentos e tratamentos que
prolonguem a vida do enfermo incurável,
já em fase terminal
Modificação do art. 121 do CPB
2.3 Distanásia
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Conceito: dis (ato defeituoso), thanatos (morte)
– prolongamento exagerado da morte de um
paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa
prolongar a vida, mas sim o processo de morte.
Relatório “vencendo o sofrimento, enriquecendo
a humanidade” (Organização Mundial da Saúde
– 1997)
Cuidado X cura – falha em beneficiar o paciente
3. Código de Ética dos Médicos
Objetivos da medicina:
1) Salvar e prolongar a vida;
2) Promover e manter a saúde;
3) Aliviar a dor e o sofrimento.
Definição de saúde: “completo bem-estar
físico, mental e social” (OMS)
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4. Colisão de Direitos
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Conceito: em sentindo amplo, haverá colisão de direitos quando um
direito subjetivo, na sua configuração ou no seu exercício, deva ser
harmonizado com outro ou outros direitos. Num sentido estrito, a
colisão ocorre sempre que dois ou mais direitos subjetivos
assegurem, aos seus titulares, permissões incompatíveis entre si
(Antonio Menezes Cordeiro – tradução da autora)
Colisão dos direitos da personalidade: corrente negativista e
corrente favorável (corrente majoritária)
Critério da ponderação (enunciado n° 279 da IV Jornada de Direito
Civil – Conselho de Justiça Federal) (art. 335 Código Civil Português)
– relativização de conceitos jurídicos
Avaliação sistêmica do valor supremo da dignidade da pessoa
humana e o direito à vida.
Plena realização do direito fundamental e da personalidade:
disposição – decisão voluntária