Estudo de estabilidade física de pós higroscópicos para

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Transcript Estudo de estabilidade física de pós higroscópicos para

Estudo de estabilidade física de
pós higroscópicos para
reconstituição, manipulados em
encapsuladoras para sachês
Luis Antonio Paludetti*
Robson Miranda da Gama
Professores do Curso de Farmácia da Universidade de Santo Amaro, Unisa - São Paulo, Brasil
Laboratório Escola Semi-Industrial do Curso de Farmácia da Universidade de Santo Amaro
* Professor correspondente: [email protected]
1. Introdução
Os pós para reconstituição são aqueles que, uma vez reconstituídos, originam uma forma farmacêutica não
pulvérea, em geral, soluções, suspensões ou efervescentes. 1
Atualmente, as farmácias com manipulação preparam os pós para reconstituição na forma de envelopes
(sachês), que são definidos como sendo recipientes de material flexível formado por duas lâminas seladas
contendo o medicamento. 1
Este material de embalagem pode ser fabricado em diversos materiais. Quando fabricado com lâminas
compostas de alumínio e plástico, pode proporcionar um bom isolamento do pó da umidade, CO 2 e oxigênio
atmosféricos.2
Na manipulação de sachês, o produto pulvéreo contendo a mistura de fármacos na dose prescrita e os
respectivos adjuvantes é acondicionado individualmente em cada envelope.
Quando manipulado em farmácias, a mistura de pós deve ser fracionada em doses unitárias, por meio da
pesagem individual da quantidade de pó necessária para administrar a dose prescrita. Embora existam
equipamentos semiautomáticos, este procedimento é geralmente realizado por meio da pesagem das doses
uma a uma em balança de precisão, o que consome tempo, recursos, equipamentos e pessoal especializado.
A fim de facilitar o preparo destes medicamentos, a IDEAL EQUIPAMENTOS desenvolveu em 2014 o
equipamento denominado “Encapsuladora para Sachês”. Neste equipamento, a mistura de pós é
acondicionada diretamente em pequenos recipientes plásticos (“flaconetes”), que são preenchidos por meio
da técnica de nivelamento de superfície, em processo semelhante ao utilizado no preenchimento de cápsulas.
Após o preenchimento, os flaconetes são fechados com uma tampa flexível e colocados em um sachê
aluminizado de grande capacidade contendo sílica dessecante e então, dispensados ao paciente.
2. Objetivos
O objetivo deste estudo é avaliar a estabilidade física de pós higroscópicos acondicionados nos flaconetes
manipulados com Encapsuladora para Sachês em diferentes condições extremas de umidade.
3. Material e Método
A estabilidade física dos pós foi avaliada por meio da inspeção visual das características do pó,
monitoramento da variação de peso e da medida da efervescência das misturas, antes e depois do estudo.
Foram preparados 10 flaconetes contendo 500 mg de levocarnitina e 10 flaconetes contendo uma mistura 500
mg de levocarnitina e 1500 mg de base efervescente (BASEFFER®). Em cada flaconete foi acondicionada a
quantidade anteriormente descrita de amostra ou controle, sendo então os mesmos fechados com a respectiva
tampa.
Os flaconetes foram então divididos em dois grupos; amostra (A) e controle (C), cada qual com cinco
flaconetes. Os flaconetes foram identificados de AC1 até AC5 e CC1 até CC5 (respectivamente amostras e
controles com 500 mg de levocarnitina) e AF1 até AF5 e CF1 até CF5 (respectivamente amostras e controles
contendo a formulação)
Os flaconetes do grupo controle foram colocados em um ambiente com temperaturas e umidades controladas
de 75%. O ambiente de umidade e temperatura controladas foi obtido utilizando-se um dessecador contendo
250 mL uma solução saturada de NaCl, conforme método descrito por ISLAN e colaboradores. 3
Os flaconetes das amostras foram colocados em dois sachês aluminizados individuais de grande capacidade
com fecho plástico ZIP-LOCK®, contendo 5 sachês com cerca de 3,0 g de sílica-gel dessecante. O conjunto
foi então colocado no mesmo ambiente das amostras.
A temperatura e a umidade relativa foram monitoradas por meio de um termohigrômetro INCOTERM.
Durante o estudo, a temperatura se manteve entre 24 e 26 ºC e a umidade relativa do ambiente controlado se
manteve entre 73 e 75%.
•
Inspeção visual
No 15º dia do teste os flaconetes foram abertos e os pós foram inspecionados quanto ao seu aspecto
(cristalino, engrumado ou liquefeito) e comparados com o padrão no dia 0.
•
Monitoramento do peso
Os pesos das amostras e dos controles foram determinados nos dias 0, 7 e 15, utilizando-se uma
balança de precisão AL500 (Marte Equipamentos).
Os resultados do monitoramento do peso foram analisados utilizando-se a Análise de Variância de
Friedman, conforme SIEGEL & CASTELLAN. 4
•
Efervescência
A efervescência foi avaliada conforme método descrito por Faria. 5
A efervescência inicial (dia 0) foi avaliada pesando-se exatamente cerca de 2,0 g da mistura de
levocarnitina e base efervescente. A mistura foi então transferida para uma proveta de 250,
devidamente seca. Adicionou-se em seguida, de uma só vez, 100 mL de água purificada, anotando-se
o valor máximo atingido pela efervescência, em mililitros.
A efervescência das amostras (dia 15) foi avaliada transferindo-se o conteúdo do flaconete para a
proveta e procedendo-se então à adição de água e determinação da mesma forma que para a amostra.
4. Resultados
4.1. Inspeção visual
No início do teste, todas as amostras e controles se apresentavam-se como um pó de livre fluxo, com aspecto
cristalino, sem grumos ou blocos.
Ao final do 15º dia, todos os controles da levocarnitina (CC1 até CC5) apresentavam-se liquefeitos, enquanto
que os flaconetes da amostra apresentavam-se com o mesmo aspecto do dia 0. Todos os controles da
formulação (CF1 até CF5), apresentavam-se com aspecto úmido, engrumados e na forma de blocos, cuja
remoção dos flaconetes só foi possível com o uso de uma espátula de metal. Por outro lado, ao final do 15º
dia, todas as amostras apresentavam-se inalteradas em relação ao início do teste, apresentando-se como pó de
livre fluxo, com aspecto cristalino, sem grumos ou blocos. A remoção dos flaconetes foi realizada apenas
vertendo-se o mesmo sobre um recipiente apropriado. As figuras 1 e 2 ilustram melhor esta situação.
Figura 1: Aspecto da levocarnitina contida nos flaconetes controle
(esq) e flaconete amostra (dir). A aparência foi a mesma para todos
os flaconetes testados.
Figura 2: Fotocomposição mostrando o aspecto do pó da formulação controle (esq)., do flaconete
contendo a formulação controle (centro) e do flaconete contendo a formulação da amostra (dir). A
aparência foi a mesma para todos os flaconetes testados
4.2. Monitoramento do peso
As tabelas de 1 a 4 apresentam os resultados do monitoramento dos pesos dos flaconetes (expressos em mg)
dos controles e das amostras, para os dias 0, 7 e 15 do estudo. Também são apresentadas as médias dos pesos
e os respectivos coeficientes de variação. As tabelas também apresentam as variações médias de peso entre
os dias 0 e 7 e entre os dias 0 e 15.
Tabela 1. Monitoramento do peso (em mg) dos controles contendo levocarnitina
Amostra
Dia 0
Dia 7
Dia 15
CC1
3424,00
3554,00
3669,00
CC2
3443,00
3582,00
3702,00
CC3
3376,00
3508,00
3626,00
CC4
3433,00
3559,00
3668,00
CC5
3356,00
3482,00
3591,00
Médias
3406,40
3537,00
3651,20
C.V (%)
1,12
1,15
1,18
Variação de Peso em relação ao Dia 0
CC1
0,00
130,00
245,00
CC2
0,00
139,00
259,00
CC3
0,00
132,00
250,00
CC4
0,00
126,00
235,00
CC5
0,00
126,00
235,00
Médias
0,00
130,60
244,80
A análise da tabela 1 demonstra que os dados apresentam-se homogêneos (C.V entre 1,12 e 1,18% ) para
cada dia de avaliação. A análise de variância de Friedman demonstra que há uma variação significativa
(p<0,05) entre os dados da amostra do dia 0, 7 e 15.
A avaliação da variação de peso das amostras demonstra que houve um ganho de peso de 3,83% entre o dia 0
e o dia 7. O mesmo ocorre entre o dia 0 e o dia 15, com um ganho de peso de 7,18 %.
A análise da tabela 2 demonstra que os dados apresentam-se homogêneos (C.V entre 1,31 e 1,36%) para cada
dia de avaliação. A análise de variância de Friedman demonstra que, apesar de pequena, há uma variação
significativa (p<0,05) entre os dados da amostra do dia 0, 7 e 15.
A avaliação da variação de peso das amostras demonstra que houve um ganho de peso de 0,08% entre o dia 0
e o dia 7. O mesmo ocorre entre o dia 0 e o dia 15, com um ganho de peso de 0,32%.
Tabela 2 . Monitoramento do peso (em mg) das amostras contendo levocarnitina
Amostra
Dia 0
Dia 7
Dia 15
AC1
3391,00
3393,00
3399,00
AC2
3384,00
3386,00
3395,00
AC3
3330,00
3335,00
3345,00
AC4
3357,00
3359,00
3367,00
AC5
3453,00
3455,00
3463,00
Médias
3383,00
3385,60
3393,80
C.V (%)
1,36
1,33
1,31
Variação de Peso em relação ao Dia 0
AC1
0,00
2,00
8,00
AC2
0,00
2,00
11,00
AC3
0,00
5,00
15,00
AC4
0,00
2,00
10,00
AC5
0,00
2,00
10,00
Médias
0,00
2,60
10,80
A análise da tabela 3 demonstra que os dados apresentam-se homogêneos (C.V entre 0,72 e 0,75% ) para
cada dia de avaliação. A análise de variância de Friedman demonstra que, apesar de pequena, há uma
variação significativa (p<0,05) entre os dados da amostra do dia 0, 7 e 15.
A avaliação da variação de peso das amostras demonstra que houve uma perda de peso de 0,07% entre o dia
0 e o dia 7. O mesmo ocorre entre o dia 0 e o dia 15, com uma perda de peso de 0,87 %.
A análise da tabela 4 demonstra que os dados apresentam-se homogêneos (C.V entre 0,50 e 0,59%) para cada
dia de avaliação. A análise de variância de Friedman demonstra que, apesar de pequena, há uma variação
significativa (p<0,05) entre os dados da amostra do dia 0, 7 e 15.
A avaliação da variação de peso das amostras demonstra que houve um ganho de peso de 0,07% entre o dia 0
e o dia 7. O mesmo ocorre entre o dia 0 e o dia 15, com uma perda de peso de 0,34%.
Tabela 3. Monitoramento do peso (em mg) dos controles contendo a formulação
Amostra
Dia 0
Dia 7
Dia 15
CF1
4837
4806
4798
CF2
4849
4818
4801
CF3
4922
4888
4877
CF4
4905
4872
4865
CF5
4884
4852
4843
Médias
4879,40
4847,20
4836,80
C.V (%)
0,74
0,72
0,75
Variação de Peso em relação ao Dia 0
CF1
0
-31
-39
CF2
0
-31
-48
CF3
0
-34
-45
CF4
0
-33
-40
CF5
0
-32
-41
Médias
0,00
-32,20
-42,60
Tabela 4. Monitoramento do peso (em mg) das amostras contendo a formulação
Amostra
Dia 0
Dia 7
Dia 15
AF1
4923
4925
4923
AF2
4900
4905
4920
AF3
4895
4898
4915
AF4
4922
4926
4943
AF5
4852
4856
4876
Médias
4898,40
4902,00
4915,40
C.V (%)
0,59
0,58
0,50
Variação de Peso em relação ao Dia 0
A
0
2
0
B
0
5
20
C
0
3
20
D
0
4
21
E
0
4
24
Médias
0,00
3,60
17,00
4.3. Avaliação da efervescência
No início do teste a efervescência de 2,0 g da amostra foi determinada em triplicata. Após a adição de água, a
efervescência desenvolveu-se de modo satisfatório, com grande formação de bolhas cuja altura máxima
resultando um valor médio de 130 +/- 10 mL.
Após o estudo, a efervescência dos controles foi determina em triplicata. Após a adição de água não houve
desenvolvimento de efervescência perceptível. Além disso, a observação visual da evolução da efervescência
demonstrou haver apenas um raro surgimento de bolhas, com o pó permanecendo no fundo da proveta.
A efervescência das amostras também foi determinada em triplicata. Após a adição de água, a efervescência
desenvolveu-se de modo satisfatório, com grande formação de bolhas cuja altura máxima resultando um
valor médio de 120 +/- 10 mL.
A figura 3 ilustra o desenvolvimento final da efervescência de uma das amostras.
Figura 3: Visualização do desenvolvimento final da
efervescência de uma das amostras
5. Discussão
A levocarnitina apresenta-se como cristais brancos ou como um pó higroscópico cristalino e branco. Tem um
suave odor característico. É extremamente higroscópica e deliquescente, podendo assim liquefazer ao
contato com o ar. A levocarnitina é altamente solúvel na água, no álcool, em soluções alcalinas e em ácidos
minerais diluídos. 6
Sabe-se que materiais deliquescentes absorverão a umidade do ar, dissolvendo-se então na água absorvida
até que se liquefaçam, total ou parcialmente. 7
Tradicionalmente, os materiais plásticos têm sido empregados para o acondicionamento de medicamentos
manipulados. Entretanto, dependendo do material plástico, as embalagens com eles obtidas podem permitir a
permeação de umidade ou oxigênio do ar. 8 O mesmo não ocorre com materiais laminados compostos ou com
materiais de embalagem confeccionados com alumínio. 2
Estes fenômenos podem facilmente explicar o ganho de peso ocorrido nos controles contendo levocarnitina.
Uma vez expostas ao ambiente com umidade controlada elevada, os flaconetes plásticos não foram capazes
de impedir a penetração da umidade do ar, levando a carnitina a absorver umidade e sofrer então a
deliquescência, conforme podemos visualizar na figura 1.
Por outro lado, as amostras que foram armazenadas em sachê laminado contendo sílica-gel dessecante,
mantiveram-se com as mesmas características iniciais. Apesar de apresentarem ganho de peso
estatisticamente significativo, esse aumento de peso não apresentou reflexos nas características do pó.
No que se refere ao comportamento das formulações, os resultados merecem considerações.
Paradoxalmente, os controles das formulações apresentaram perda de peso em vez de um aumento de peso,
conforme esperado.
Sabe-se que as reações de efervescência ocorrem geralmente entre um sal carbonatado (geralmente
bicarbonato de sódio) e um ácido (geralmente ácido cítrico ou tartárico) e que a reação dá, como produtos
resultantes, o sal do ácido, gás carbônico e água. 9
Com a penetração da umidade através do material de embalagem, criam-se condições para a reação de
efervescência entre os materiais contidos no produto.
Conforme a reação se propaga, há formação de gás carbônico, que escapa do material de acondicionamento
(que não é hermético), diminuindo então a massa total do conjunto, de acordo com a Lei da Conservação das
Massas. A mesma reação de efervescência também leva à formação de água que causa a formação dos
grumos e blocos mostrados na figura 2.
De fato, este parece ser o principal fenômeno envolvido com o produto controle, o que se confirma com a
verificação da ausência de efervescência para este produto.
Para as amostras que foram armazenadas em sachê laminado contendo sílica-gel dessecante, o
comportamento foi semelhante à amostra contendo apenas a levocarnitina, ou seja, as amostras mantiveramse com as mesmas características iniciais. Apesar de apresentarem ganho de peso estatisticamente
significativo, esse aumento de peso não apresentou reflexos nas características do pó, o que se comprova
pela manutenção das propriedades de efervescência.
6. Conclusão
Segundo os resultados obtidos, a colocação dos flaconetes contendo produtos higroscópicos e efervescentes
em sachê aluminizado contendo sílica-gel dessecante foi capaz de manter praticamente inalteradas as
características físicas, o peso e a efervescência dos produtos testados durante todo o período de teste.
7. Referências
1. Brasil. Vocabulário Controlado de Formas Farmacêuticas, Vias de Administração e Embalagens de
Medicamentos, 1ª Edição. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa, 2011.
2. Spong V. Composite Containers. In: Theobald N, Winder B. Packaging Closures And Sealing
Systems. Boca Ratón: Blackwell Publishing Ltd.; 2006.
3. Islam SMA et al. Study of Moisture Absorption by Ranitidine Hydrochloride: Effect of % RH,
Excipients, Dosage Forms and Packing Materials. J. Pharm. Sci. 2008, 7(1): 59-64.
4. 4. SIEGEL SE, CASTELLAN RNJ. Estatística não paramétrica para ciências do
comportamento. 2 ed. Artmed. Porto Alegre.2006. 448p.
5. Faria JC. Desenvolvimento e obtenção de formas farmacêuticas efervescentes e granulado
efervescente para reconstituição contendo L-carnitina. São Paulo. TCC para Graduação em
Farmácia. Faculdade de Farmacia da Universidade de Santo Amaro. 2008.
6. United States Pharmacopeial Convention, Inc. Unite States Pharmacopeia 30 – National
Formulary 25. Rockville, MD: US Pharmacopeial Convention, Inc.; 2007: 2460.
7. Paludetti LA. Farmacotécnica de Cápsulas Manipuladas em Farmácia. Rx Editora, São Paulo, 2014.
8. Allen Jr. LV. Acondicionamento, Armazenamento e Remessa de Medicamentos Manipulados. In:
Allen Jr, LV. Secundem Artem: Técnicas Básicas de Manipulação em Farmácias. São Paulo: Rx
Editora Ltda, 1995.
9. Paludetti LA, Gama RM. Medicamentos efervescentes: Uma oportunidade de ser diferente. Revista
Rx 2007, 2:18-24.
8. Agradecimentos
Os autores agradecem;
•
À Ideal Equipamentos pelo apoio, e pela cessão dos equipamentos e materiais utilizados no estudo.
•
Ao Laboratório Semi Industrial de Farmácia da Universidade de Santo Amaro – LESIFAR – pela
cessão das instalações para realização do estudo.
•
Aos alunos do curso de farmácia estagiários do LESIFAR durante a realização do estudo.