Luis David Castiel

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Transcript Luis David Castiel

Rumo a uma Saúde
Persecutória?
Responsabilidade Pessoal e
Culpabilização Preventiva
• Este texto talvez, se ‘defina’ sob a ‘rubrica’ do
campo dos ‘estudos sociais das ciências da saúde’
(social science studies of health – SSSH). Sob essa
perspectiva, são analisados certos aspectos dos
sistemas vigentes de produção de conhecimentos e
tecnologias em saúde.
• E sua capacidade de gerar perplexidades,
impasses e insatisfações, ainda que admitamos sua
potência e efetividade em muitos níveis.
•Enfatizamos aqui os Limites da Responsabilidade
(LR) - relacionados com o emprego da concepção de
Responsabilidade Individual (RI), em termos de sua
aplicação como fórmula persuasiva nos discursos e
práticas da promoção da saúde e nas propostas de
controle dos riscos - representados por hábitos como
o tabagismo, o sedentarismo, consumo de álcool e/ou
outras drogas e dietas pouco frugais.
• É necessário exagerar, não por radicalismo, mas,
para tentar neutralizar a sensação de que a ‘situação
atual’ não é passível de mudanças importantes de
rumo.
•Isto aparece claramente no documento do
Ministério da Saúde “Diretrizes operacionais:
Pactos pela vida, em defesa do SUS e de Gestão
(2006)”
• Item E. ‘Promoção de saúde, com ênfase na
atividade física regular e alimentação
saudável’.
•Objetivos: b. Enfatizar a mudança de
comportamento da pop. bras. de forma a
internalizar a responsabilidade individual da
prática de atividade física regular, alimentação
adequada e combate ao tabagismo’ (Pg 13).
• Os discursos sobre a saúde estão localizados em determinados
momentos históricos.
• É necessário conhecer as razões porque se legitimam ao ajustaremse à ordem econômica, política e social onde são gerados, são
sustentados e se reproduzem. Há que perguntar-se que tipo de
discurso(s) permitem conhecer aos humanos.
• Os discursos sobre os riscos à saúde são construções contextuais,
de caráter normativo, vinculadas também outros interesses.
• Dependem de definições a respeito do “ser humano” (se há uma
essência humana...), o tipo de sociedade que se pretende (e os
modos de chegar a ela).
A Saúde Pública atual tem muito desse ‘espírito moderno’.
Ou seja, se baseia na crença ilustrada do valor da ciência
e da racionalidade para sustentar sua legitimidade social
em direção a melhores condições de saúde.
• Em síntese:
• Idéia de primazia do individualismo, onde ‘agentes
racionais’ exercem suas ações otimizando custos em
busca de benefícios;
• A ausência de coesão social entre as prioridades das
elites;
• Um clima de descrença quanto à autoridade política doss
governos;
• Uma ênfase excessiva em relação ao papel do Mercado
como instância reguladora das sociedades modernas
democráticas e a primazia do econômico sobre o político.
• A noção de responsabilidade.
• Este tema permite enfoques ético-filosóficos, jurídicolegais que não cabem aqui.
• A idéia de responsabilidade está vinculada à noção de
obrigação dos indivíduos a responder a níveis de
regulação e controle de suas ações por meio de algum
compromisso.
• Subentende a idéia de existir uma suposta capacidade de
resposta para quem as instâncias/agentes que estiverem
encarregados (in charge)
• Responsabilidade é uma idéia normativa que permite
arranjos essenciais à organização dos coletivos humanos.
“Errar é humano, mas, mais humano ainda é
jogar a culpa nos outros”
• O princípio da prevenção/precaução está cada
vez mais prevalente em situações em que se
busca estabelecer cenários futuros.
• A
prevenção
dos
riscos
apresenta
ambivalências. Segundo perspectivas às vezes
imponderáveis, podem levar a medidas de
retardamento ou a ações urgentes.
• Este princípio pode ser usado de modo
manipulativo, de acordo com as circunstâncias
e com os interesses envolvidos na situação.
• O processo conhecido como “culpar a
vítima” teria atualmente outros dois
aspectos na promoção da saúde:
• 1) “aterrorizar aos apreensivos” ou
“assombrar aos assombráveis” – aos
que
tentam
acompanhar
as
recomendações de saúde para evitar
aos riscos.
• 2) “responsabilizar ao negligente” –
aos que se expõem aos riscos à saúde
de modo imprudente.
• A ética da nova higiene é uma
maneira de chamar ao controle
moral relacionado às noções de autocuidado geradas pela promoção
individualista da saúde.
• Essa forma de ‘autopromoção da
saúde’
reflete
o
moralismo
dominante e a busca de causas
evidentes para regular condutas de
higiene comportamental em tempos
de altos custos para as ações de
saúde.
• Não é nossa intenção depreciar o poder do
conhecimento epidemiológico sobre os riscos. Ele
é importante para as práticas de prevenção de
agravos à saúde.
• Mas, cabe assinalar efeitos exagerados de sua
utilização, assim como enfatizar sua vinculação
com
aspectos
indesejáveis
nas
atuais
configurações socioculturais.
• Os discursos sobre o risco indicam a
ambivalência de nossa época.
• Há, ao mesmo tempo, muitas e fortes tentações
oferecidas para serem consumidas, mas, com
‘comedimento’ Ou seja: às vezes, é preciso se
acorrentar aos mastros para não ceder aos
apelos das sereias. Missão possível?
• Por outro lado, o pensamento paranóide está cada vez mais
intenso em nossa época.
• Somos colocados constantemente em una atmosfera
conspiratória, muito fértil ao desenvolvimento de
pensamentos persecutórios, onde a suspeita se renova em
todos os momentos.
• Explicações?
• As responsabilidades são difusas e, portanto, confusas,
talvez por efeito dos processos da denominada
“globalização econômica”, cujos signos têm o costume de
apresentarem-se de modo enigmático.
• Estes signos que não entendemos muito bem podmn
intervir intensamente em nossas vidas.
• Os níveis de atuação do poder se tornaram
indistinguíveis , e portanto, desconcertantes.
• A estabilidade de nossas vidas parece estar
sendo decidida em lugares inacessíveis, por
“entidades
misteriosas”
que
poderiam
“maquinar malevolamente” contra nós, sem
qualquer
preocupação
moral,
inclusive
desconhecendo nossa existência.
• Um contexto muito propício para proliferações
paranóides.
• Este é o cenário para a entrada em
cena do homo sanitatis auctor.
• Um ser acossado por ameaças virtuais,
indefinidas no espaço e imprevisíveis
no tempo.
• E que portanto, deve responsavelmente
tomar medidas preventivas.
• A vida nua – no sentido de sobrevida,
sem qualquer dimensão de ação política
qualificada é uma das teses de Agamben
(1995). E também sua teorização sobre o
homo sacer.
• Para os que podem atuar como agentes
de consumo, podemos ver as práticas de
promoção da saúde como a produção da
“sobrevida nua”.
• Há autores que desenvolvem conceitos como o
de “práticas biopolíticas de ascese corporal” –
ou seja estratégias de controle disciplinar que
geram subjetividades que levam os indivíduos à
submissão mediante ênfase ao cuidado-de-si
(dietas, por ex).
• Sob este ponto de vista, o controle de nossas
vidas ocorre para além dos mecanismos
tradicionais de vigilância e regulação por
dispositivos jurídicos e policiais.
• Mas, sim por pressões biopolíticas com forte
conteúdo moral, como, por exemplo as ações de
promoção da saúde.
• que geram o homo longo aeuo – indivíduo
dedicado a sua sobrevivência longeva.
• Ser produzido pelas práticas individualistas
e apolíticas de promoção sanitária que
estabelecem que o bem supremo é a
prolongação
da
vida
em
termos
essencialmente de longevidade  com a
máxima qualidade de vida que seja possível
obter (e pagar-se...)
Vigiar(-se) e Prevenir (-se) –
Risco e responsabilidade
pessoal em Saúde: rumo a
uma Saúde Persecutória?