O personalismo como ambiente antropológico para a Bioética
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Transcript O personalismo como ambiente antropológico para a Bioética
Prof. Maurizio Calipari
O Personalismo
como horizonte antropológico
para a bioética
L-19
Facoltà di Scienze della Formazione
Università degli Studi di Macerata
a.a. 2010-11
M. Calipari - 2010
1
Introdução
Centralidade do ser humano na vida do
universo
aceitação comum confirmada por:
Ciências da natureza (paleontologia, biologia)
Ciências humanas (psicologia, sociologia)
Filosofia
Religiões
ponto crucial: definir a PERSONA
persona ≠ personalidade (caracteres, temperamento.
etc.)
focus sobre o ponto de vista metafisico,
ultrapassando uma abordagem “funcionalista”
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A pessoa e o seu significado
Até hoje: uma divisão/separação entre o
humano e o não-humano, entre lícito e não
lícito
Novos conceitos atualmente que
pretemder instrumentalizar o termo:
quem
possue determinada qualidade ou funções --->
teorias diversas
INTERPRETAÇÃO FUNCIONALISTICO-ATUALÍSTICA:
INTERPRETAÇÃO SUBSTANCIALISTA OU DO
PERSONALISMO ONTOLÓGICO: quem tem
natureza humana (diferença entre
qualidades primeiras, substanciais, e
qualidades segundas, acidentais)
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INTERPRETAÇÃO FUNCIONALÍSTICOATUALÍSTICA
As características biológicas:
individualidade (indivisibilidade?)
chegar a um certo estágio de desenvolvimento
a presençaa da atividade cerebral
…
As características psico-sociais
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A racionalidade
A relacionalidade
O reconhecimento constitutivo
A intenção procriadora
A capacidade de elaborar um juízo moral
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Sobreposição entre ser
humano e pessoa?
Ser humano
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pessoa
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A visão funcionalísticoatualista da pessoa
Persona: Conceito abstrato definidoa
partir de um elenco de propriedades e
funções não necessariamente do ser
humano
Conseqüência:
-
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a pessoa não se identifica sempre com ser
humano
É pessoa o ser humano, e não apenas pelo
fato de manifestar caracteres e capacidade
arbitrariamente fixadas, prescindindo da sua
natureza ontológica
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Personalismo - introdução
(1)
Personalismo
historicamente, tríplice acepção
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personalismo “relacional-comunicativo”
autores: (K.O. Apel, J. Habermas)
valor da sobjetividade e das relações intersubjetivas
personalismo “hermenêutico”
autores: (H.G. Gadamer)
Papel chave da consciência subjetiva na interpretação da
realidade de acordo com a própria “pré-compreensão”
personalismo “ontológico”
autores: (J. Maritain, S. Vanni Rovighi, A. Bausola, E.
Sgreccia)
Não nega o precedente, mas põe como fundamento da
subjetividade uma existência e uma essência (na unidade
corpo-espírito)
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Personalismo – introdução
(2)
o personalismo ontológico não confunde-se
com o individualismo subjetivista
a capacidade de auto decisão e de escolha como elemento
exclusivo constitutivo da pessoa
Concepção difundida no mundo protestante e
existencialista.
O personalismo quer afirmar um estatuto
objetivo e existencial (ontológico) da pessoa
Sem negar a importante dimensão da “capacidade de
escolha” que decide a história de cada indivíduo humano
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Personalismo - introdução
(3)
um ponto crucial : definir a pessoa
na sua realidade constitutiva
distinção da acepção psicológica
(“personalidade”)
leitura metafisica (estrutura ontológica)
valor obgetivo da dignidade da pessoa
(estrutura axiológica)
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A PESSOA HUMANA (1)
O EU pessoal é “irredutível”
não é redutível à cifras, números, átomos,
células, neurônios
“L’homme neuronal” (Jean-Pierre Changeux)
grande distância ontológica e axiológica entre o
homem e os outros seres (viventes e não)
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Também a sociedade deve ter como
referência última a pessoa humana
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A PESSOA HUMANA (2)
O homem representa o vértice do
fenômeno “vida”
a vida humana tem sua peculiaridade
com relação a todos os outros seres vivos
No
plano biológico
No plano psicológico
No plano espiritual
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A PESSOA HUMANA (3)
a pessoa é um “ente subsistente
capaz de racionalidade”
S. Boécio: rationalis naturae individua
substantia
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Individualidade constituída de um
corpo animado e estruturado por
um espírito
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A PESSOA HUMANA(4)
O homem, enquanto pessoa, é
capaz:
De reflexão sobre si mesmo
De auto-determinação
De capatar o sentido das coisas
De dar sentido ás suas expressões e à
sua linguagem consciente
Razão, liberdade e consciência representamo uma
“criação emergente”, irredutível ao fluxo das leis
cósmicas e evolucionísticas (K. Popper)
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A PESSOA HUMANA (5)
a pessoa, desde a sua concepção
até à sua morte natural, deve ser:
ponto de referência última
sempre fim, nunca meio
Medida para julgar oq ue é moralmente
lícito ou ilícito
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A PESSOA HUMANA (6)
“CORPORE ET ANIMA UNUS”
(GS 14)
a pessoa humana como unitdade de espírito e
de corpo (unitotalidade)
Dimensão espiritual, intelectiva e moral
dimensão biológico-corpórea
Dignidade de pessoa
valor objetivo do indivíduo humano enquanto tal
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Esse valor é indisponível e inalienável, para além das
circustâncias
Em uma ética personalista, o aspecto objetivo e
subjetivo da pessoa são recordados e estão envolvidos
mutuamente.
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A CORPOREIDADE
HUMANA (1)
Notas introdutórias
Necessidade de esclarecer o seu valor para
elaborara linhas éticas no campo biomédico
Na realidade, trata-se de um esclarecimento da
relação entre corpo-espírito na unidade da
pessoa
O médico diante do “corpo” do enfermo
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Ele encontra a pessoa enferma, na sua totalidade,
mediante a sua corporeidade
não um “objeto”, mas um “sujeito”
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La CORPOREITA’ UMANA (1)
3 concepções diferentes:
concepção dualista (ou intelectualística)
concepção monista
concepção personalista
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A CORPOREIDADE HUMANA
(2)
Concepção dualista
origim no pensamento cosmocêntrico grego
Platão: conflito entre alma e corpo
corpo como obstáculo para o conhecimento da verdade
Aristóteles: relação substancial entre alma e
corpo
A alma é “forma”, o corpo é “matéria”
O corpo é “informado” pela alma
O corpo é oposto á alma pela sua origem material
Descartes, Malebranche e Leibniz
dualismo estrutural do homem composto de corpo
(entendido como máquina, mecanismo) e de espírito
(entendido como consciência, razão)
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A CORPOREIDADE HUMANA(3)
a concepção monista
origem no epicurismo, como reação ao
dualismo exagerado
A partir de Marx (sobretudo com Sartre e Marcuse)
Visão do corpo
materialista
reducionista
política
o corpo esgota a totalidade do homem e de suas experiências
“J’existe mon corps” – J.P. Sartre
Reducionismo biológico
O humano se reduz ao biológico
J. Monod: "Le hasard et la nécessité" (1970)
J.P. Changeux: identificação da mente com o cérebro
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"L'homme neuronal" (1983)
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A CORPOREIDADE HUMANA
(4)
concepção personalista
Diversos aportes do pensamento teológico e
filosófico
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conceito de “persona” como ser subsistente,
consciente, livre e responsável
Revelação
Criação, Deus Ser Pessoal e Transcendente, o homem
criado “à imagem e semelhança de Deus”, concepção de
pecado e Redenção, Paixão e Ressurreição (“caro cardo
salutis” - Tertuliano)
Padres da Igreja
S. Tomás de Aquino
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A CORPOREIDADE HUMANA
(5)
S. Tomás de Aquino
Reflexão sobre a relação alma-corpo
Inspiração cristã
chave interpretativa da metafísica aristotélica:
matéria-forma
Essência-existência
matéria - forma
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alma = forma substancial do corpo
O corpo é “humano” porque animado por uma alma
espiritual
Unidade da atividade humana (físico-espiritual) contra
todo dualismo
OPERARI SEQUITUR ESSE
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A CORPOREIDADE HUMANA
(5)
Essência- existência
Essência
do homem = alma e corpo
ato existencial único (por obra do Criador)
O problema da animação “posterior”
40°
dias para o homem, 80° dias para a mulher
Escarso conhecimento de embriologia
presuposta descontinuidade receptiva da “forma
humana”
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A CORPOREIDADE HUMANA
(5)
G. Marcel
“Eu sou o meu corpo” (não em sentido
abrangente)
Função de mediação social do corpo
J. Maritain
“cada elemento do corpo humano é humano e
existe como tal, em virtude da existência
imaterial da alma humana. O nosso corpo, as
nossas mãos, os nossos olhos existem em
virtude da existência da nossa alma”
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A CORPOREIDADE HUMANA
A concepção personalista
Em síntese:
corporeidade como “organismo”
corpo como “Leib” e não só como “Körper”
corporeidade: princípio de encarnação
corporeidade como princípio de identidade
corporeidade como “epifania” (manifestação) e linguagem
comunicativa
corporeidade como limite (doença, morte)
corporeidade como instrumento operativo e origem da
tecnologia
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a técnica como complemento e ampliação da corporeidade
motora, sensorial e neuronal
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A CORPOREIDADE HUMANA
(5)
corolário da unidade do corpo
humano
Não obstante composto por partes, ele é
um único organismo vivo e animado pelo
espírito
Os valores corpóreos estão entre eles em
harmonia e em hierarquia (unitotalidade)
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A CORPOREIDADE HUMANA
(5)
Consequências éticas
a vida física é um bem primário ou fundamental
Não é um bem absoluto
precede todos os outros bens relativos
Somente a realização do bem espiritual e
transcendental da pessoa pode tornar aceitável o risco
da vida física (p.ex. martírio)
O primeiro bem, hierarquicamente, que segue a vida
física é a sua integridade
Os bens da vida relacional (afetivos e sociais) são
subordinados aos dois precedentes
Toda “comercialização” do corpo é uma ofensa à
dignidade da pessoa.
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Alguns corolários (1)
pessoa e sociedade
a pessoa não é uma “parte” da sociedade
a sociedade não é um “organismo vivo” (concepção
organicista)
a pessoa está na origem da sociedade e acima dos
interesses da coletividade
O indivíduo nunca se esgota totalmente nas suas relações
com a sociedade
a justa noção de “bem comum”
não: a média estatística dos beens comuns dos indivíduos
singularmente (concepção quantitativa)
mas: o bem que se realiza a cada um dos componentes da
sociedade de maneira suficiente e justa.
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Os princípios da bioética
personalista
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A defesa da vida física
Os princípios de
liberdade/responsabilidade
O princípio terapêutico
Os princípios de
socialidade/subsidiariedade
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O princípio de defesa da vida
física
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A vida humana física é valor fundamental
sobre o qual se fundamentam e e se
desenvolvem todos os outros valores da
pessoa
A vida humana física não esgota todo o valor
da pessoa, não é o bem máximo, absoluto que
ao contrário encaminha ao transcendente
Cada intervenção sobre a vida física é uma
intervenção sobre a pessoa, é um dano à
pessoa.
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O princípio de
liberdade/responsabilidade
LIBERDADE:
experiência profunda de cada ser humano
as suas raízes: RACIONALIDADE e
VONTADE
pressupõe a vida
RESPONSABILIDADE (moral):
res-ponderare
respondēre
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O princípio de liberdade e
responsabilidade
o bem da liberdade é subordinado ao bem da vida
Ninguém é livre se não é vivo.
O paciente tem a responsabilidade de cuidar da
própria saúde
O paciente tem o direito de escolher os meios para
cuidar da própria saúde
Necessidade de uma prévia e correta informação
O médico pode ter sobre o paciente somente aqueles
direitos que o próprio paciente lhe concede
Em todo caso, o médico não pode ter maiores direitos do que
aqueles que o paciente tem sobre si mesmo.
O médico pode, em nome da sua consciência, refutar de agir
segundo os desejos do paciente e interromper a a “aliança
terapêutica” com ele.
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A problemática do consentimento informado e da
relação médico-paciente
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O princípio terapêutico
premissa
O corpo humano pode ser considerado como um
todo unitário, formado por partes distintas e
entre eles organica e hierarquicamente
unificadas pela existência única e pessoal
definição
Pode-se intervir sobre uma parte do organismo,
até mesmo com a sua destruição (se isso for
necessário) com fim de obter o bem ao
organismo inteiro, nas seguintes condições:
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O princípio terapêutico
4 condições de aplicabilidade
Que se intervenha sobre a parte doente/afetada
(ou que causa a doença ou que seja lugar de
evolução) para salvar o organismo sadio.
Que não exista outro meio terapêutico eficaz
menos invasivo e destrutivo.
Que exista uma possibilidade proporcionalmente
alta de sucesso.
Que o paciente tenha dado o seu consentimento
informado.
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O princípio de socialidade
e subsidiariedade
Cada pessoa deve realizar-se a si mesma,
participando na realização do bem comum
O bem do sujeito como premissa e fundamento do bem comum
(não o inverso)
A vida e a saúde de cada um não são apenas bens
pessoais, mas também bens sociais
A comunidade tem o dever de ajudar mais
aquele que tem maior necessidade
Entretanto, a comunidade não deve substituir o indivíduo
se isso não é necessário.
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