Stuart Mill e a democratizacao do liberalismo

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Stuart Mill e a democratização do liberalismo

Curso de Teoria Política Contemporânea para Relações Internacionais Notas de aula Setembro de 2014

Stuart Mill (inglês, 1806-1873)

Autoridade x liberdade

• “Qual é o justo limite à soberania do indivíduo sobre si próprio? Onde começa a autoridade da sociedade? Quanto da vida humana se deve atribuir à individualidade, quanto à sociedade?”

Liberdade: o que é? I

• Enunciado universal: “todo homem deve gozar da liberdade de fazer todas as coisas que não produzam obstáculo à ação livre dos outros”. • “O único fim para o qual a humanidade está autorizada, individual ou coletivamente, a interferir na liberdade de ação de qualquer fração de seu número é a autoproteção. (...) A única parte da conduta de alguém pela qual ele é responsável perante a sociedade é aquela que diz respeito aos demais. Naquilo que concerne meramente a si mesmo, a sua independência é, de direito, absoluta. Sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano.” (SM, Sobre a Liberdade, capítulo 1)

Liberdade: o que é? II

• Domínios: – 1. liberdade de consciência e de expressão (inseparáveis); – 2. liberdade de gostos e ocupações; – 3. liberdade de associação.

• Síntese: “liberdade é a possibilidade de procurar o próprio bem pelo método próprio, enquanto não tentamos desapossar os outros do que é seu, ou impedir seus esforços para obtê-lo.” • Um homem pode buscar aconselhar e persuadir, mas não coagir outro homem.

Ameaça à liberdade: tirania do maior número

• A tirania do maior número pode ser operada: • – 1. Pelas autoridades públicas.

– 2. Pela própria sociedade, que tem “tendência a impor as próprias ideias e práticas como regras de conduta, àqueles que delas divergem, para refrear e, se possível, prevenir a formação de qualquer individualidade em desharmonia com os seus rumos, e compelir todos os caracteres a se plasmarem sobre o modelo dela própria” (SM, On Liberty, Cap. 1)

Qual é a pior tirania?

• “Tanto vale aprisionar alguém como privá-lo dos meios de ganhar o seu pão. Os que têm o pão assegurado, e não desejam favores dos homens no poder, ou de grupos sociais, ou do público, nada têm a temer da confissão franca de quaisquer opiniões senão que deles pensem e falem mal; e para suportar isso não se requer um padrão muito heroico” (SM, On Liberty, Cap. 2)

Problema prático: onde colocar o limite?

• Verdade e moral não são fixas: “Não há duas épocas, e dificilmente haverá dois países, que o tenham resolvido de maneira igual: a solução de uma época ou país espanta outra época ou país.” • Entretanto, os homens tendem à arrogância da infalibilidade.

Da opinião falível e circunstanciada I

• Os homens tendem a enxergar sua opinião como absoluta e verdadeira. • “Nunca podemos estar seguros de que a opinião que procuramos sufocar seja falsa; e, se estivéssemos seguros, sufocá la seria ainda um mal”

Da opinião falível e circunstanciada II

• “O mundo, para cada indivíduo, significa a parte com a qual ele entra em contato: seu partido, sua seita, sua igreja, sua classe social. (...) Ele transfere para o seu próprio mundo a responsabilidade de estar com a razão contra os mundos discordantes das outras pessoas, e nunca se perturba pelo fato de que um mero acidente tem decidido qual desses mundos numerosos é o objeto de sua confiança e de que as mesmas causas que fazem dele um clérigo em Londres fariam dele um budista ou um confucionista em Pequim.” (SM, On Liberty, cap. 2)

Segunda parte Liberdade e política

Contra o legado conservador do liberalismo I. Defesa do voto e da cidadania universais II. Emancipação feminina III. Direitos de minoria: proporcionalismo

Da necessidade do conflito e sua tradução política

• A diversidade e o conflito são desejáveis para o desenvolvimento das potencialidades humanas. • Onde não estão presentes, “perigo de baixo nível de inteligência no corpo representativo e na opinião pública”.

• Como lidar com isso? – “Limitar o caráter democrático da representação”?

– Introduzir o proporcionalismo?

Considerações sobre democracia e maioria

• “A ideia pura de democracia é o governo do povo inteiro pelo povo inteiro, representado de maneira igual. A democracia, da maneira como é comumente concebida e até agora praticada, é o governo do povo inteiro por uma mera maioria, exclusivamente representada. A primeira ideia é sinônimo da igualdade de todos os cidadãos; a segunda, estranhamente confundida com a primeira, é um governo de privilégios, em nome da maioria numérica” (Stuart Mill, CGR, Cap. VII)

Democracia e minoria

• “A democracia não será jamais a melhor forma de governo, a não ser que este seu lado fraco possa ser fortalecido; a não ser que possa ser organizada de maneira a não permitir que nenhuma classe, nem mesmo a mais numerosa, possa reduzir todo o resto à insignificância política, e dirigir o curso da legislação e da administração segundo seus interesses exclusivos de classe.” (Stuart Mill, CGR, Cap. VII) • “É uma injustiça pessoal negar a qualquer um o direito elementar de ter voz na condução dos assuntos que lhe interessam tanto quanto aos outros cidadãos” (Stuart Mill, CGR, Cap. VII)

Considerações sobre democracia e localismo

• “Os eleitores que não são do mesmo partido político que a maioria local não são representados”. (Stuart Mill, CGR, Cap. VII) • “As únicas pessoas que podem se fazer eleger são aquelas que possuem influência local, ou que vão abrindo seu caminho por meio de grandes gastos, ou que, a convite de dois ou três comerciantes ou advogados, são retirados dos seus clubes londrinos por um dos dois grandes partidos” (Stuart Mill, CGR, Cap. VII)

É possível existir um meio termo

• “Em um corpo representativo que realmente delibera, a minoria deverá certamente ser derrubada. (…) Mas deverá a minoria por isso não ter nenhum representante? (…) Nada a não ser o hábito pode conciliar uma pessoa racional e uma injustiça inútil.” (Stuart Mill, CGR, Cap. VII) • “A neutralização total da minoria está diametralmente oposta ao primeira princípio da democracia, ou seja, a representação proporcional aos números” (Stuart Mill, CGR, Cap. VII)

Vantagens do proporcionalismo

• “No sistema de Hare, os que não gostassem de seus candidatos locais poderiam escolher os nomes para suas listas de votos dentre todas as pessoas de reputação nacional constantes da lista de candidatos, com cujos princípios políticos gerais simpatizassem. (…) Centenas de homens capazes, de opiniões independentes, que não seriam a menor chance de serem escolhidos pela maioria de nenhum distrito eleitoral, se diferam conhecidos em quase todas as partes do reino por meio de seus escritos ou por meio de seus esforços em algum ramo do serviço público e talvez possam completar suas quotas.” (Stuart Mill, CGR, Cap. VII)

Sobre o voto feminino

• “Considero o problema tão inteiramente irrelevante, em termos de direitos políticos, quanto a diferença de altura ou de cor e cabelo. (…) A opinião do mundo moderno tem se pronunciado com força cada vez maior contra o pretendido direito da sociedade de decidir pelos indivíduos o que são ou não são capazes de fazer, e o que lhes deve ou não ser permitido tentar. (…) Ou a tendência do progresso social moderno está errada, ou então será necessário elvá-la até a abolição total de todas as exclusões e todas as incapacidades que impedem um ser humano de ter uma ocupação honesta.” (Stuart Mill, CGR, Cap. VIII)

Limites aceitáveis para o voto

• • • A pessoas que não “saibam ler, escrever ou, ainda, executar as operações comuns de aritmética”. Os meios de atingir estes conhecimentos devem ser colocados ao alcance de todas as pessoas. A pessoas que não pagam impostos: “os que não pagam impostos, dispondo através de seus votos do dinheiro de outras pessoas, têm todas as razões imagináveis para serem pródigos, a nenhum para economizar”. “É tão necessário quanto desejável que, como condição anexa à universalidade do sufrágio, a taxação chegue até as classes mais pobres”. A pessoas que recebem ajuda do governo e àquelas que estão em situação de falência. (Stuart Mill, CGR, Cap. VII)

Da recusa ao “bom déspota”

• Despotismo implica em passividade mental do povo. – “Nenhuma intenção, por mais sincera que seja, de proteger os interesses dos outros pode tornar seguro ou salutar amarrar-lhes as mãos. Ainda mais obviamente verdadeiro é o fato de que somente por suas mãos podem ser produzidas quaisquer melhorias positivas e duráveis em suas condições de vida.” (SM, SL, cap. 2)

Do caráter pedagógico da política I

• “Se as circunstâncias permitirem que a parcela de encargo público a ele confiada seja considerável, isto fará dele um homem educado. Ainda mais salutar é o lado moral da instrução propiciada pela participação do cidadão individual em funções públicas, por mais rara que esta seja. (...) Ele aprende a se sentir como parte do público e a fazer do interesse público o seu interesse...” (SM, SL, cap. 2)

Do caráter pedagógico da política II

• “... Onde não existir esta escola do espírito público, dificilmente se instalará qualquer senso de que os indivíduos que não ocupam nenhuma posição social eminente tenham quaisquer deveres para com a sociedade, exceto o de obedecerem às leis e submeterem-se ao governo. Não existirá nenhum sentimento desinteressado de identificação com o público. Todo pensamento ou sentimento, seja de interesse ou de dever, estará circunscrito ao indivíduo e à família.” (SM, SL, cap. 2)

Unidade/ uniformidade x diferenças

Costumes uniformizam e reduzem a diversidade. Exemplos: – Os muçulmanos e a carne de porco, os puritanos e os divertimentos públicos, os americanos e a opulência, os americanos e a bebida alcoólica, os mórmons e a poligamia Stuart Mill teme a tendência à uniformidade e valoriza a diferença, que é fator de progresso.