Diagnóstico emergético do Pantanal Enrique Ortega P a n t a n a l Laboratório de Engenharia Ecológica - Unicamp Embrapa Pantanal Pantanal: paraíso das aves, sob o domínio das águas Parte 1: um lugar de convívio.
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Diagnóstico emergético do Pantanal Enrique Ortega P a n t a n a l Laboratório de Engenharia Ecológica - Unicamp Embrapa Pantanal 1 2 Pantanal: paraíso das aves, sob o domínio das águas Parte 1: um lugar de convívio sustentável 3 95% das terras do Pantanal são propriedade de fazendeiros. Apenas 4% da porção brasileira desse bioma esta protegida em reservas, mas o paraíso das aves pode sofrer futuramente com o impacto da ocupação humana. Bioma Pantanal, a maior planície inundável interiorana do mundo. 4 Em 1536, após a fundação de Buenos Aires, uma expedição espanhola subiu os rios Paraná e Paraguai em busca de ouro. Alcançou os rios Apa e Nabileque, uma imensa área alagada. Um soldado alemão dessa tropa, Ulrich Schmidel, batizou a região de Mar dos Xaraés, referindo-se a um dos vários povos indígenas que ocupavam o território. 5 Assim nasceu um engano que duraria séculos: a idéia de que o Pantanal seria uma espécie de mar interior – coisa que não é nem nunca foi. Apesar de a origem do nome do bioma, não podemos chamá-lo de pântano, porque o terreno não fica permanentemente alagado. Na realidade, o Pantanal é a maior planície sujeita a alagamentos periódicos do mundo. 6 Embora a água das lagoas – ou baías, como são chamadas na região – seja o elemento dominante dessa paisagem, chove pouco no Pantanal. Tão pouco que, se não fossem as inundações originadas pelas chuvas que ocorrem nas áreas mais altas ao redor da planície, o bioma não existiria com a feição que tem hoje. Nas cheias, as baías se unem por canais, que os pantaneiros chamam de corixos e vazantes. 7 Sem as inundações o lugar se assemelharia aos domínios vizinhos, com vegetação mais seca: o Cerrado (a leste) ou o Chaco do Paraguai e da Bolívia (a oeste). Com o lento ciclo anual de cheia e vazante dos seus rios tortuosos, se desenvolve um conjunto variado de habitats: campos, brejos, matas ciliares, capões de mata e de cerrado que abrigam animais de quase todos os biomas nacionais. 8 Durante séculos o Pantanal foi, para o colonizador europeu uma região de passagem. Só no século XIX, com a pecuária, começaria uma ocupação de pesca e pecuária sustentável. Por isso, esse paraíso de tuiuiús, araras, jacarés, onças, capivaras e cervos chegou aos dias atuais intacto. E assim ele deve permanecer, para deleite das gerações futuras, se o impacto crescente da agropecuária, da pesca e do próprio turismo for mantido sob controle. Mas tanto o que ocorre nas bordas desse sistema quanto o que se planeja fazer dentro dele pode acabar com esse paraíso. 9 Água dos rios Espécies migratórias SediHumus mentos Insumos Homem pantaneiro Sedimentos biomassa Fauna local $ $ Gado em pé Gado Superfície terrestre Sedimentos Sol, vento, chuva biomassa Rios e lagoas Infraestrutura Fauna local Pesca do Pantanal $ $ Peixe Água filtrada biologicamente Pantanal tradicional 10 Faun Reg Reprod Supl Alim Sal Medic Vac Diesel Mat Consumo Tralha Mantimentos Trab Temp Info B FL Áreas Florestadas H Roça B FL B FL Cria- MO MO ções local temp Infra Faz Infra Tur Turista Turista Campo Cerrado Natm NPK solúvel Sol Chuva Vento albedo Onça $ Campo Limpo Alto B Bezerro FL Campo Limpo Sazonal Rebanho de Cria B FL Pasto Cultivado B Corpos D`água Bezerros FL Produtos Alternativos Produtos Alternativos Degradação 11 Localização e características físicas É uma bacia muito plana de 200 mil quilômetros quadrados situada no centro do continente. Desse total, 70% – 150 mil quilômetros – ficam em território brasileiro (um terço no estado de Mato Grosso e dois terços em Mato Grosso do Sul). O restante se divide entre Bolívia e Paraguai. 12 O clima predominante é o mesmo do Cerrado, o tropical semi-úmido. A chuva atinge de 1200 a 1400 mm. É uma planície cercada de terras mais altas que se inunda pelo menos quatro meses ao receber as águas das serras que a circundam. No interior da bacia, as altitudes raramente ultrapassam a faixa entre 50 e 150 metros acima do nível do mar. 13 Mapa físico do bioma Pantanal A planície do Pantanal é cercada por chapadas (Parecis, Guimarães, Emas) e serras (Araras, Maracaju e Bodoquena). PARAGUAI Nelas as elevações chegam aos 1000 m de altitude. O Pantanal é cortado de norte a sul pelo rio Paraguai que ao longo de seu curso recebe água de vários afluentes (Cuiabá, Itaquira, São Lorenzo, Taquari, Miranda). 14 Quando alcançam a planície, os rios passam a correr num terreno com pequeno declive, 2 centímetros a cada quilômetro, do norte para o sul (embora em alguns trechos possa chegar a 30), e 3 a 5 centímetros, no sentido lesteoeste. As matas-galeria acompanham as margens dos rios do Pantanal. 15 As águas no interior da bacia escorrem muito lentamente até a porta de saída, pelo sul, onde o rio Paraguai corre ao encontro do rio Paraná. Devido a baixa velocidade, as correntes não têm força para romper obstáculos do terreno e fazem um caminho cheio de curvas (meandros). À medida que o rio se enche, a água pode extravasar o leito sinuoso e preencher áreas mais baixas, dando origem às baías ou lagoas. 16 Nas cheias, quando o nível das águas sobe de 50 centímetros a 6 metros, as baías começam a se unir por canais, que os pantaneiros chamam de corixos e vazantes. Algumas lagoas são permanentes, têm uma faixa de areia em volta e alta concentração de sais, acumulados pela evaporação. Recebem, por isso, o nome de salinas. As elevações que nunca se inundam são conhecidas regionalmente como cordilheiras. A paisagem da planície do Pantanal (MS), com salinas (lagoas permanentes) e vegetação. 17 Em anos de cheias excepcionais, como 1984 e 1995, o rio Paraguai se espalha por uma largura de até 20 quilômetros. Em todo o Pantanal, a área inundada pode chegar a 137 mil quilômetros quadrados. 18 A lenta onda de enchentes iniciada no mês de fevereiro no norte do bioma leva de quatro a cinco meses para alcançar o sul do Pantanal (junho-julho). No auge do período de inundação em Mato Grosso do Sul (julho e agosto), a região pantaneira de Mato Grosso já se encontra no início da estação seca. 19 Os rios trazem sedimentos do planalto circundante, formado por terrenos antigos (65 a 500 milhões de anos). As inundações depositam os sedimentos no interior da bacia. A maior parte deles é composta de areia mas há também há um pouco de argila. Esse processo nos últimos 2,5 milhões de anos formou camadas de até 400 metros de espessura. O Pantanal é uma bacia sedimentar. Nos sedimentos está a base da explosão de vida do Pantanal. 20 Biodiversidade No Pantanal, fauna e flora encontram ótimas condições para se desenvolver, fazendo dele um dos mais ricos mosaicos de vida no mundo. Isso porque as rochas dissolvidas na água das enchentes contêm sais minerais e outros nutrientes importantes para o crescimento das plantas. Eles ficam retidos nas áreas inundáveis, como lagoas, brejos, corixos e vazantes, que funcionam como um filtro. Os vegetais que proliferam são em especial aqueles adaptados para viver em áreas alagadas, chamados de macrófitas. 21 Biodiversidade Onça-pintada Jacaré Piranha Capivara Sucuri Tucano 22 São conhecidas 250 espécies de macrófitas no Pantanal: plantas emergentes, anfíbias, flutuantes, submersas e epífitas. As mais conhecidas são a vitória-régia, de origem amazônica, e o aguapé. Elas fornecem abrigo e alimento para insetos, moluscos e outros invertebrados. E também para peixes, que migram do canal do rio, na cheia, para os trechos alagados e cobertos de camalotes, nome dado aos grandes bancos de vegetação flutuante. 23 As duas feições de mata mais típicas do Pantanal são os capões e as matas-galeria. Nas cordilheiras (pequenas elevações que não se alagam) formam-se os capões, onde a vegetação predominante tem forte parentesco com a do Cerrado, embora a piúva (ipê-roxo), árvore-símbolo do Pantanal, seja mais característica da Mata Atlântica. As piúvas, um tipo de ipê, estão entre as árvores mais 24 características do Pantanal. São comuns ali o pequi, o paratudo e o jatobá, que alcançam de 12 a 16 metros de altura. Nas matas-galeria, ao longo dos rios e corixos, há também outras espécies de árvores, como figueiras, ingás e novateiros. 25 Muitas plantas de outros biomas são encontradas no Pantanal, como o babaçu, uma palmeira típica da Amazônia. Isso acontece porque o Pantanal está em contato com outros domínios (a Amazônia, ao norte; o Cerrado, a leste; e a Mata Atlântica que não está distante dali) e acaba assim por funcionar como um corredor de circulação de espécies entre eles. Até plantas da Caatinga, como o mandacaru, são encontradas nas áreas mais altas e Secas do bioma. 26 Outro fenômeno típico da planície pantaneira é a formação de áreas relativamente homogêneas de vegetação. São chamadas de parques e recebem nomes específicos conforme a espécie predominante: paratudal (paratudo), carandazal (carandá), acurizal (Cacuri), buritizal (buriti) e assim por diante. 27 São muitas as associações entre os organismos do Pantanal. Uma interação curiosa é a das piraputangas (uma espécie de peixe) que acompanham pelo rio o deslocamento dos bandos de macacos-prego pela mata-galeria. Os macacos pulam de árvore em árvore para se alimentar dos frutos, dos quais deixam cair pedaços e sementes na água, para alegria dos peixes que estão à espreita. 28 Os animais do Pantanal são uma atração à parte. Mais de 300 espécies de peixes como pintados, cacharas, jaús, parus, piraputangas, piranhas e dourados se aproveitam das condições favoráveis de abrigo e alimentação. Os peixes integram um dos poucos grupos em que ocorre endemismo no Pantanal: já foram identificadas 15 espécies que só existem neste bioma e em nenhum outro. 29 Nos períodos em que termina a enchente e a água começa a escoar, boa parte da vegetação morre. Os detritos se decompõem e servem de alimento para uma infinidade de invertebrados e peixes pequenos, que por sua vez são predados por outros animais. As aves fazem a festa, em particular quando as baías não estão ligadas aos rios e o nível da água abaixa. Com tanto alimento disponível, o Pantanal atrai muitos pássaros – são mais de 400 espécies. Garça-branca (Casmerodius albus), ave migratória que se reúne em bandos na época da reprodução. 30 Muitos desses pássaros se reúnem nos ninhais (árvores com grande quantidade de ninhos), onde a defesa contra predadores é mais eficaz para o grupo. É comum encontrar jacarés e sucuris embaixo de ninhais esperando que um filhote de ave caia do ninho para virar almoço. Ninhal com aves na beira do rio Vermelho31 (MS). A ave-símbolo da região é o tuiuiú, também chamado de jaburu, que pode ser visto com freqüência nas lagoas, locais onde encontra seu alimento preferido: o peixe mussum, que se esconde na lama. É ali também que aves como garças e colhereiros se alimentam; são centenas, às vezes milhares delas. O tuiuiú (Jabiru mycteria), a bela ave-símbolo do Pantanal. Frequentador das lagoas em busca de peixes. Colheiro (Plaralea ajaja) com seu bico reto, largo e achatado, uma das aves 32 típicas do bioma. O Pantanal abriga mais de um tipo de arara, mas a araraazul é a mais diretamente associada ao bioma. Ela se alimenta dos frutos de duas palmeiras comuns na região, o acuri e a bocaiúva, às vezes também de jatobá. Casal de araras-azuis (Anodorhynchus hyacinthinus), espécie ameaçada de extinção. 33 A arara azul (ameaçada de extinção) exibe sua fragilidade na hora de fazer o ninho: 95% delas constroem seu ninho em ocos da árvore manduvi e 5% em angicos-brancos. Ela compete com outros pássaros que usam esses ocos, como a arara-vermelha, o falcão-relógio e a marreca-cabocla, a arara-azul e também enfrenta as abelhas e o desmatamento. 34 Em busca de uma economia sustentável O Pantanal é um paraíso só de bichos e plantas, também populações humanas vivem nesse bioma há séculos, muito antes da chegada do colonizador europeu. Embora a presença do homem impacta o ambiente – da destruição de florestas à poluição das águas – até agora ela não foi suficiente para destruir a teia de relações ecológicas que existe por trás da exuberância natural dessa planície. 35 Na época da chegada do colonizador europeu, no século XVI, calcula-se que houvesse, só na região sul do Pantanal, cerca de 1,5 milhão de índios. Eles se dividiam em muitas etnias (povos), como guaranis, guatós, ofaiés, cadiuéus, caiapós e paiaguás. Os paiaguás foram extintos e dos guatós restam somente poucas centenas. 36 Se somados os habitantes de todos os municípios que compõem o Pantanal, chega-se a uma população de quase 2 milhões de pessoas. Corumbá (MS) é uma das maiores cidades, com mais de 100 mil habitantes. Corumbá (MS), às margens do rio Paraguai, é um dos principais centros urbanos do Pantanal. 37 Em Mato Grosso, na porção norte do Pantanal, fica Cáceres, com população de mais de 90 mil pessoas. Outros 3 milhões povoam os planaltos ao redor, onde nascem os rios que inundam a planície pantaneira – para não falar das duas capitais, Campo Grande (MS) e Cuiabá (MT), fora do Pantanal, com cerca de 700 mil habitantes cada um (incluída a população de Várzea Grande, vizinha de Cuiabá). 38 Como outras regiões do Brasil, este bioma também presenciou uma sucessão de ciclos econômicos. Até o século XVIII, a região teve significado apenas militar, pela disputa entre espanhóis e portugueses. Ganhou importância com a descoberta de ouro em locais como Poconé (porção norte do Pantanal), por bandeirantes paulistas. Os bandeirantes levavam o ouro e traziam provisões para a região, em grandes expedições chamadas monções, que seguiam pelos rios. As monções sofriam constantes ataques de índios, como os paiaguás. Para garantir a alimentação de quem explorava o ouro, surgiram roças na região, o que seria o embrião de uma agricultura permanente 39 No século XIX, com o esgotamento da mineração, teve início o ciclo do açúcar. Abriu-se espaço para grandes plantações de cana e foram construídos engenhos que, já na primeira década do século XX, colocavam o estado de Mato Grosso como o segundo maior produtor de açúcar do Brasil. Quando não havia cana para colher e moer, na entressafra, a mão-de-obra era empregada no abate do gado criado solto nos campos naturais do Cerrado e do Pantanal. A carne era salgada para que não se estragasse durante o transporte até os centros consumidores. Foi o chamado ciclo das charqueadas, em referência ao nome da carne salgada (charque), que se manteve até o final do século XX. 40 Foi nessa época que se iniciou o ciclo da pecuária, que prossegue até hoje. O produto de venda passou então a ser o próprio rebanho e não mais a carne. As cabeças de gado criadas soltas nos campos – sistema conhecido como pecuária extensiva – eram levadas para engorda em outras regiões do país (como o Triângulo Mineiro). Os pantaneiros, vaqueiros do pantanal, são os que cuidam do gado espalhado pelas grandes fazendas da região. 41 Mais recentemente se observa o início de uma transição para a pecuária mais intensiva, com abate na própria região. O rebanho mato-grossense (do sul e do norte) é um dos maiores do Brasil, com cerca de 50 milhões de cabeças, das quais se calcula que entre 4 e 8 milhões estejam no Pantanal. Pantaneiro toca berrante para conduzir o gado. A pecuária é a principal atividade econômica do Pantanal. 42 O turismo vem crescendo em importância nas últimas três décadas. Já representa o segundo maior setor econômico do Pantanal, perdendo apenas para a pecuária. A atividade teve início com as viagens para a prática da pesca (a caça é proibida, mas a pesca é regulamentada) e evoluiu nos últimos anos para a modalidade de ecoturismo, com a transformação de fazendas em pousadas voltadas à contemplação de ambientes naturais de rara beleza e de animais selvagens em seu ambiente natural. O Pantanal é um dos mais importantes destinos turísticos do Brasil. Em meio a sua matas, é possível encontrar diversos 43 complexos hoteleiros e de lazer. Água dos rios Espécies migratórias Insumos SediHumus mentos $ Visitantes Homem pantaneiro $ biomassa Superfície terrestre Sol, vento, chuva Fauna local $ Instalações turísticas turista Infraestrutura biomassa Rios e lagoas Fauna local $ Gado em pé Gado Pesca do Pantanal $ $ Peixe Água filtrada biologicamente Pantanal 44 Outra área em crescimento é a mineração de manganês e de ferro, no maciço de Urucum (perto de Corumbá). O potencial de exploração das reservas está estimado em 100 bilhões de toneladas de manganês e 2 bilhões de toneladas de ferro. Há um projeto de um Pólo Siderúrgico para a produção de aço na região, que hoje só exporta esses minerais sem beneficiar e também a implantação de um Pólo Gás-Químico, para processar o gás da Bolívia e dele extrair matérias-primas para fabricar produtos petroquímicos. Mina no Maciço de Urucum. 45 Influências indígenas e hispânicas A cultura pantaneira conta com três elementos básicos: (1) a presença de índios, especialmente no passado, a predominância da pecuária e a influência do elemento hispânico dos países vizinhos, Paraguai e Bolívia. A maior terra indígena do Pantanal é a dos cadiuéus, famosos pela cerâmica e pintura corporal elaboradas. 46 Uma contribuição indígena é a rica medicina tradicional, que encontra na vegetação do Pantanal remédio para tudo. "Paratudo", não por acaso, é o nome regional do ipê que serve de base para preparados contra problemas de estômago, tosse e outras doenças. Usam-se a erva-desanta-maria para matar vermes, o barbatimão para cicatrizar feridas e curar inflamações e o leite de taiúva para a dor de dente. 47 (2) O cavalo e a pecuária, trazidos pelos espanhóis na época colonial, dominam a paisagem e fazem da lida com o gado a habilidade mais difundida entre pantaneiros tradicionais. 48 (3) A música regional revela a contribuição hispânica, em especial a paraguaia, com gêneros como guarânia, polca e chamamé. O instrumento típico do Pantanal é a viola-de-cocho, confeccionada numa única peça da madeira de sara, uma árvore que só cresce nas matas de galeria e que atualmente tem extração proibida. A viola-de-cocho (à esq.), esculpida em uma única peça de madeira, é o instrumento mais comum nas festas e cantorias pelo Pantanal. 49 É a peça central do cururu e do siriri, danças executadas em festas populares, como a de São Sebastião e outras que adentram para a área do Cerrado. Sua tradição deu origem a uma grande escola de violeiros, com expoentes como Helena Meirelles. Helena Meirelles (1924-2005), violeira, cantora e compositora, reconhecida mundialmente por seu talento como tocadora de viola 50 A cultura pantaneira se manifesta na poesia do advogado, fazendeiro e poeta Manoel de Barros, que se refere em grande parte de sua obra aos componentes da vida e da paisagem pantaneira. Ele publicou muitos livros premiados, como Compêndio para uso dos pássaros (1960), O guardador de águas (1989) e O fazedor de amanhecer (2001). Manoel Barros (1916-), um dos principais poetas contemporâneos do Brasil, se consagrou com sua poesia sobre o Pantanal. 51 Pantanal: paraíso das aves, sob o domínio das águas Parte 2: um espaço ameaçado 52 A mobilização para preservar o Pantanal Apesar das condições relativamente boas do bioma, existe muita preocupação com o futuro da natureza pantaneira. As ameaças mais temidas são a agropecuária intensiva e a criação de pólos industriais, que podem desequilibrar a teia de relações ecológicas. Até o mesmo o turismo, visto como uma saída econômica de menor impacto, pode ter efeitos danosos para o ambiente no Pantanal. 53 A madeira retirada por pecuaristas para transformar a mata em pasto normalmente vai parar nos fornos de produção de carvão vegetal. Segundo o IBAMA, existem mais de 5 mil carvoarias em Mato Grosso do Sul, a maior parte delas funcionando irregularmente. 54 Se for respeitada a capacidade de suporte dos campos naturais do Pantanal, ou seja, a criação de uma quantidade de bois e vacas que não afete o equilíbrio do ambiente, a pecuária não é destrutiva. Para aumentar a produtividade, porém, muitos criadores desmatam capões e matas-galeria para aumentar a área de pastagem e introduzir espécies de capim estranhas ao ambiente pantaneiro. O pisoteio do gado sobre a vegetação é outra ameaça ao bioma. Gado em área desmatada nos arredores da Serra da Bodoquena. 55 A atividade que mais pode prejudicar o ecossistema do Pantanal é a agricultura intensiva praticada nos planaltos em torno do bioma, como as lavouras de soja e de cana. Essas culturas acabam com a vegetação natural das áreas mais altas, onde nascem o rios que correm na planície pantaneira. A falta de cobertura vegetal facilita a erosão do solo, que é levado em grandes quantidades para os rios pelas enxurradas. 56 Além disso, a agricultura no planalto pode contaminar com substâncias tóxicas as águas ainda puras do Pantanal. Por essa razão e pelo risco de assoreamento, a Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul chegou a proibir a instalação de usinas produtoras de álcool nas proximidades da bacia pantaneira. Mas a pressão dos usineiros é grande! 57 Também sofreu atrasos e resistência o plano de criar uma hidrovia no rio Paraguai, que fatalmente aumentaria sua velocidade e prejudicaria a formação das lagoas temporárias, ameaçando a sobrevivência da rica vida aquática que atrai tantas aves e outros bichos para a região. 58 Um dos principais argumentos dos defensores do bioma pantaneiro é que ele vale mais conservado do que destruído. Segundo a WWF, os serviços prestados pelos ecossistemas pantaneiros – da reciclagem da água à manutenção da biodiversidade, do fornecimento de matérias-primas ao ecoturismo — valem pelo menos US$ 15 bilhões por ano. Se a vegetação e os corpos d'água perderem suas características naturais, a rica fauna perderá suas fontes de sustento, afastando os turistas. 59 O grau de desmatamento no Pantanal não é precisamente conhecido, com estimativas variando entre 4% e 15% das áreas florestadas. Três dezenas de unidades de conservação (UCs) estão localizadas no Pantanal, cobrindo 6.702 quilômetros quadrados, ou 4,5% do bioma de 150 mil quilômetros quadrados. T Só três dessas UCs são federais e duas delas ficam em Mato Grosso e foram criadas em 1981: Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense (1.360 quilômetros quadrados) e Estação Ecológica Taiamã (143 quilômetros quadrados). A terceira localiza-se em Mato Grosso do Sul, o Parque Nacional da Serra da Bodoquena (765 quilômetros quadrados), criado no ano 2000. 60 Áreas prioritárias de conservação do Pantanal 61 Como 95% das terras pantaneiras são propriedades privadas, cresce a importância das reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs), que hoje respondem por metade das áreas protegidas do bioma. 62 “Arrombados” do Taquari O aumento da carga de sedimentos nos cursos d'água traz o risco de – literalmente – entupir o Pantanal. É o fenômeno do assoreamento dos rios, ou seja, a diminuição de sua profundidade pelo acúmulo de terra ou areia no fundo. Já se conhecem casos graves, como o do rio Taquari, em que se formam os chamados "arrombados": locais onde o rio rompe permanentemente suas margens e alaga áreas de até 11 mil quilômetros quadrados, que não se esvaziam quando termina o período das cheias. 63 Fumaça de queimadas Migração de espécies Materiais e serviços renováveis Infraestrutura Materiais e serviços não renováveis Empresas Rios e aquíferos Turistas N, P, minerais solo água $ gado Biodiv. turistas População humana Biomassa Planalto peixes Biodiv. solo Sol, vento e chuva água População humana Biomassa Zona urbana Ecossistema aquático gado Biodiv. solo água População humana Biomassa Planície Minérios (Fe, Mn) água solo Morraria Biodiv. Indústrias de extração Biomassa População humana 64 A mudança climática e o Pantanal 1. Levando em conta as previsões para Amazônia pode-se prever que o Pantanal poderá sofrer uma redução drástica em sua biodiversidade e da produtividade com o aumento da temperatura. Tem se observado uma situação crítica com relação à Amazônia, tudo indica que sua temperatura poderá se elevar até 8º C. Isto deverá causar uma transformação na mata, ao invés de uma floresta densa e alta se abrirá espaço para uma vegetação rala, semelhante ao cerrado que os climatologistas chamam como o fenômeno de “savanização da Amazônia”, porque devido ao aumento da temperatura, cresce a evaporação de água retirada do solo e a transpiração das plantas, fatores que devem provocar o ressecamento do solo, 65 em especial na porção leste da Amazônia. No começo de 2007, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), apresentou sua avaliação sobre o aumento da temperatura, estes reconhecem que a savanização da Amazônia será mesmo uma provável conseqüência do aquecimento global. 66 E uma das conseqüências direta dessa mudança será a perda da biodiversidade, tanto da flora quanto da fauna. Animais que vivem em equilíbrio com a floresta tendem a desaparecer junto com ela. Segundo pesquisas 18% da floresta amazônica deve virar cerrado entre 2090 e 2099, porém este cálculo foi feito sem considerar as ações antrópicas (do ser humano), como o desmatamento. 67 Outro grupo de pesquisadores do INPE usou índices atuais de desmatamento para fazer projeções futuras e concluíram que se a derrubada na região ultrapassar os 40%, a temperatura na região vai subir 4ºC, as chuvas vão diminuir 24% na estação seca e a savanização já será sentida na Amazônia oriental. Segundo levantamento recente feito pelo governo federal, o desmatamento já chega a 20% nesta região. 68 A falta da mata talvez provoque também um aumento do fenômeno El Nino – o aquecimento das águas do pacifico, pois a diminuição da mata pode provocar a redução das chuvas na região. E quanto mais chove, mais intensos ficam os ventos que, ao sobrarem, deixam as águas do oceano no litoral mais frias. Se o vento diminui, o oceano se aquece. Podemos extrapolar essa tendência para o Pantanal que fica ao Sul da Amazônia, e pensar em um aquecimento de 4 a 6 C, que seria extremamente perigoso. 69 2. A agropecuária sofrerá grande impacto As mudanças climáticas também poderão afetar a economia. Levantamento feito por pesquisadores da Embrapa e do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (CEPAGRI), da Unicamp, mostra que a produção agrícola em geral para todos os grãos pode cair 25% com o aumento da temperatura, e as culturas que mais sofrerão com isso será o café e a soja. Ironia do destino, a soja, hoje uma das piores inimigas da Amazônia, pode sofrer uma redução de mais de 50% se a temperatura subir 5,8 ºC. Foto de novembro de 2004 mostra área ilegal com soja ao lado de floresta, no Mato Grosso. A conversão em plantação se deu em menos de um ano, de acordo com o 70 governo estadual . Os pesquisadores estimam também que a pecuária será prejudicada, havendo queda na produção de leite e aumento de abortos em vacas. Entidades recomendam que o governo já comece a pensar em estratégias de gestão de água para minimizar os problemas. 71 3. Saúde da população estará em risco Secas e inundações irão fragilizar a saúde ainda mais de populações que já se encontram em situações vulneráveis. Escassez de água, incluindo aí a indisponibilidade de alimentos, afetarão grandemente aqueles que vivem da agricultura de subsistência. Com isso muitas pessoas irão migrar ao mesmo tempo podendo provocar uma redistribuição de doenças endêmicas. 72 4. A necessidade de pesquisa para saber como atenuar, adaptar e mitigar Os pesquisadores alertam que, antes de tudo, o país tem de investir nos cálculos sobre o impacto das mudanças climáticas para poder fazer obras mais adequadas para a realidade futura. 73 O impacto das Hidroelétricas no Pantanal Manso Itiquira 74 A função ecológica mais importante no Pantanal é o pulso das cheias. Assim a conservação da naturalidade deste pulso é alvo de conservação para o Pantanal. Intervenções humanas que alteram o pulso das cheias estão fazendo a sociedade se afastar deste alvo. Ainda não se sabe até onde a modificação do fluxo e do regime das cheias será suportada pelos ecossistemas pantaneiros. Como é sempre no caso em ecologia, podemos pensar que há um valor limite além do qual esse sistema irá brutalmente falir. As represas têm a capacidade de alterar o fluxo ou até o regime das cheias dependendo de seu tamanho, tipo e também de números. Os trabalhos mais recentes da Comissão Mundial das Represas (World Commission on Dams) não deixam dúvidas sobre isso. 75 Existe 9 represas hidrelétricas em operação ao redor do Pantanal, sem contar as inúmeras represas menores usadas para suprimento de água e irrigação. Em um futuro próximo, 22 (ou 44) represas hidrelétricas serão adicionadas à Bacia do Alto Paraguai. Para avaliar o impacto cumulativo dessas represas qualitativamente, uma matriz de índices foi elaborada. No momento não parece haver impactos cumulativos nem dentro do Pantanal nem dentro das bacias onde essas represas estão. 76 Quanto mais represas forem construídas, pode haver impactos cumulativos de magnitude variante em várias áreas da planície aluvial. No Pantanal de Cuiabá, os índices sugerem que o impacto mais importante será no tamanho e regime das cheias, especialmente a montante da confluência São Lourenço com o rio Cuiabá. Na confluência dos rios Jauru e Paraguai os índices sugerem outro foco de impactos cumulativos no regime das cheias. Finalmente, altos índices de impactos cumulativos no regime das cheias foram encontrados na confluência dos rios Correntes e Itiquira. 77 Planejando o desenvolvimento da energia hidrelétrica de forma diferente reduz os índices dos impactos cumulativos. Usando mais represas pequenas traz resultados positivos, porem mistos. Por exemplo, o calculo dos índices neste cenário somente com represas menores indica um impacto na descarga máxima alcançando o Pantanal maior do que no cenário atualmente proposto, o qual conta poucas, mas grandes represas. Dobrando, em vez de triplicando a produção de energia hidrelétrica nos próximos anos, produz uma redução drástica nos índices de impactos cumulativos e, dos três cenários estudados, é sem dúvida a melhor estratégia de desenvolvimento de energia quando pensamos em conservar a integridade dos ecossistemas pantaneiros. 78 A política que é apresentada pelo governo é a de incentivo a construção de hidroelétricas. A Hidrelétrica de Manso é um exemplo concreto e bem recente, do impacto social ocorrido na Chapada dos Guimarães, aumentando consideravelmente o número de desabrigados e de sem terra, onde os pescadores foram retirados de suas localidades com promessa de serem indenizados por Furnas e até hoje buscam na justiça aquilo que é seu por direito, amargando nas mais profundas incertezas e desânimo com a lentidão da justiça. 79 A Usina de Manso influenciou negativamente na qualidade da água dos rios da baixada Cuiabana, como também prejudicou toda a família ribeirinha, que tradicionalmente viviam em função destes rios. O Poder Público poderia estar desenvolvendo atividade de recuperação da qualidade da água, como também na elaboração de políticas públicas que viessem ao encontro dos anseios dos pescadores profissionais, visto que devido à falta de interesse do Poder Público os estoques pesqueiros sofreram uma diminuição muito grande. É necessário que se crie com urgência novas leis de pesca, que garanta a sobrevivência dos Ribeirinhos, bem como a dos rios, pois como diz os pescadores: “peixe sem rio não vive”. 80 As principais ameaças são: a sobre-pesca e a agricultura. 100 milhões de pessoas dependem dessas águas, que podem ficar rapidamente escassas se forem implantados os 27 novos projetos de barragens já projetados, sendo seis em fase de construção. Como se não bastasse, mais intervenções hidrológicas estão previstas para viabilizar o transporte de soja, madeira, aço e outras commodities no Pantanal -- um risco antigo, mas que ultimamente tem ganhado força com os incentivos a projetos de integração sulamericanos, como o IIRSA, e por esse motivo foi citado no relatório como a principal ameaça a essa bacia. Enfim, planejasse externamente projetos que podem afetar gravemente o pantanal. A essa ação cabe uma reação. 81 N Petróleo, carvão e gás Serviços da Biosfera População Ciência e tecnologia Combustíveis, agroquímicos, etc. Processo industrial SubProdutos externalidades negativas Indústrias transformadoras de energia e materiais fósseis serviços ambientais Solo, H2O, biomassa Vegetação nativa R Sol, vento, chuva População serviços produtos (materiais e alimentos) N Produtos Subprodutos Sistema antrópico externalidades negativas CTR CTN Áreas de produção de serviços ambientais e produtos agro-silvo-pastoris 82 N Ex Ex CTN Materiais e serviços ambientais CTN R N CTR produtos serviços ambientais externalidades negativas 83 Obrigado pela atenção! Agradecimentos a: Regiane Oliveira Mileine Zanghetin Laboratório de Engenharia Ecológica Embrapa Pantanal www.unicamp.br/fea/ortega/ 84