Material 2 - Bruno - portal mites educacional

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Transcript Material 2 - Bruno - portal mites educacional

Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos
Pós graduação latu sensu em Docência Universitária
Educação Inclusiva
Relações de saber e poder entre
surdos e ouvintes
Bruno Gonçalves Carneiro
Mestre em linguística (UFG)
Graduado em letras libras (UFSC)
Graduado em fisioterapia (UFVJM)
Nós surdos somos...
... aquele grupo que Bauman denomina de párias da sociedade. O que nos
levou a ser classificados como isto, se estamos bem vestidos, comemos
em restaurantes de classe e transitamos em qualquer ambiente como
qualquer grupo, simplesmente a chamada normalidade? Ser normal é tão
importante, mas tão importante mesmo, que não se consegue entender
até que ponto vai seu significado (PERLIN, 2007).
BAUMAN, Z. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
(...)
Notadamente, não existem trilhas óbvias para retornarmos ao quadro
das identidades aqueles que se consideram normais. A nossa trilha perfaz nos
identificarmos enquanto surdos, enquanto aqueles com marcas de diferença
cultural. Não nos importa que nos marquem como refugos, como excluídos,
como anormais. Importa-nos quem somos, o que somos e como somos. A
diferença será sempre diferença. Não tentem colocar todos os capitais do
mundo para declarar-nos diversos porque não é isso que estamos significando.
Continuamos a ser diferentes em nossas formas. Continuamos a nos
identificar como surdos. Continuamos a dizer que somos normais com nossa
língua de sinais, com o nosso jeito de ser surdos (PERLIN, 2007).
LANE, H. A máscara da benevolência. A comunidade surda amordaçada.
Lisboa: Instituto Piaget, 1992.
“O colonialismo é o padrão ao qual outras formas de opressão
podem ser equiparadas envolvendo, tal como ele, a subjugação física de
um povo enfraquecido, a imposição de uma língua e de costumes
estrangeiros, e o controle da educação em nome dos objetivos do
colonizador” (LANE, 1992, p. 43).
“Muitas das características que as entidades ouvintes atribuem aos
surdos refletem a luta dessas mesmas entidades para impor a sua vontade
às crianças e adultos surdos. Os surdos tem fraca consciência social;
querendo dizer gostaria que os meus alunos fizessem o que as pessoas
ouvintes fazem numa situação como esta. Afirmam: os surdos são
isolados; querendo dizer: não conseguem compreender-me nem às
outras pessoas ouvintes, e não podem comunicar-se conosco. Dizem
ainda Essas crianças surdas são desobedientes, imaturas, impulsivas;
quando querem dizer gostaria que fizessem o que lhes digo; é muito
difícil ensinar-lhes qualquer coisa sem que desobedeçam (LANE, 1992, p.
47).
PERLIN, G.; QUADROS, R. M. Ouvinte: o outro do ser surdo.
QUADROS, R. M. (Org). Estudos Surdos I: Série de pesquisas.
Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2006.
Primeiro, nas narrativas surdas, temos aqueles ouvintes que nem
sequer se preocupam em dominar a língua de sinais, (...), aqueles que
querem a todo custo trazer o surdo para sua religião, sua música, sua língua,
sua oralidade. Algumas narrativas citam que os surdos (...) que não são
capazes de discernir a tempo porque é melhor assim que nada. Há uma
preocupação por parte desses ouvintes em convencer os surdos de que suas
experiências ouvintes são fundamentais para os surdos. O que é importante,
o que é bom, o que representa sucesso, o que se entende por
desenvolvimento está diretamente associado a ser ouvinte. Assim, os surdos
devem ser ouvintes (PERLIN, QUADROS, 2006).
Há, também, aqueles outros ouvintes que se impõem, pois se acham
superiores que os surdos. As narrativas prosseguem: mas esses ouvintes
fazem pelos surdos, fazem tudo, tem quem luta com objetivo de se
promover, não importa se é o surdo que está do lado deles, puxam os
surdos, assim como consequência temos surdos acomodados e leis que não
combinam. Estes são aqueles que nós surdos podemos dizer que não são
dos nossos, querem se promover, precisa muito cuidado pois são assim
mesmo. Há ainda aqueles outros ouvintes que fazem “caridade”. Abrem
espaço para os surdos, mas não incentivam os surdos a pensar, pois
continuam sendo o centro, os fazedores de tudo (PERLIN, QUADROS, 2006).
Há, também, aqueles ouvintes que buscam perceber o “eu” do outro,
o “eu” dos surdos, que geralmente são poucos e que, também, se
constituem de diferentes formas.
Também há aqueles outros ouvintes que admitem a alteridade, a
diferença de “ser surdo”. Junto a esses, os surdos estão alcançando uma
maior tolerância e encontram mais espaço para a produção simbólica da
cultura surda e possibilidades maiores para continuar sua distinção social
como surdos. Além de narrar e defender a alteridade surda, esses ouvintes
também entram na causa social surda, incentivando-os para a política da
diferença e para a conquista do seu espaço cultural, ou seja, espaço de um
novo desenvolvimento cultural. As narrativas surdas prosseguem a
respeito deles: são aqueles que nós surdos podemos dizer são dos nossos,
têm nossa confiança, nosso respeito.
O português é minha defesa contra os ouvintes.
Muitos me falam que eu não pareço surda!
Questionaram da medicação que eu indiquei. Tanto uma ouvinte quanto um
surdo.
Percebo uma resistência silenciosa em admitir um surdo no cargo de
coordenação geral.
Agradeço muito a você (surda) que me convidou para palestrar (surdo).
A coordenação é incomodada com o surdo que é questionador... Já tentou
conversar com ele sem intérprete, porque assim, não há contra
argumentação.
O que é que vocês tanto fofocam???
Numa ilha nos Estados Unidos (Martha´s Vineyard), onde por 250
anos a incidência de surdez estava acima da média nacional, todas as
pessoas sinalizavam, inclusive as ouvintes. O que chama mais a atenção
nessa comunidade era o fato de as pessoas não se surpreenderem por
causa do grande número de pessoas surdas. Para elas, a surdez era uma
coisa normal, fazia parte da vida e os surdos não eram vistos como
deficientes, apenas como surdos. Os ouvintes aprendiam a LS na escola,
desde a infância e se tornavam fluentes. Os habitantes tinham o hábito de,
se havia mais surdos do que ouvintes em um ambiente, apenas sinalizarem
e não utilizarem a língua falada. Acontecia, inclusive, de usar a língua de
sinais mesmo sem a presença de um surdo na conversação. Percebe-se a
noção de que a surdez necessariamente resulta em uma deficiência não é
inerente, mas socialmente construída pelos ouvintes.
(PIZZIO; REZENDE; QUADROS, 2011)
Na Indonésia, na ilha de Bali, há uma vila chamada Desa Kolok
(“Vila Surda”), em que a incidência de surdez é muito alta. Neste local,
surdos e ouvintes se comunicam por meio da língua de sinais e têm uma
convivência bastante harmoniosa. Os surdos desta vila estão totalmente
integrados na sociedade e não há estigma por ser surdo ou ser casado com
um surdo. Os surdos têm os mesmos direitos e obrigações de qualquer
pessoa da vila e participam da vida política, econômica e cultural.
(PIZZIO; REZENDE; QUADROS, 2011)
Relações de saber e poder em sala de aula
O aluno surdo é usuário de uma língua que nenhum companheiro ou
professor efetivamente conhece. Ele é estrangeiro que tem acesso aos
conhecimentos de um modo diverso dos demais e se mantém isolado do
grupo, ainda que existam contatos e um relacionamento amigável. A
questão da língua é fundamental, pois, sem ela, as relações mais
profundas são impossíveis, não se pode falar de sentimentos, de emoções,
de dúvidas, de pontos de vista diversos. (...)
(Lacerda, 2009)
A relação do aluno surdo com os demais colegas ouvintes se limita a
trocas de informações básicas, que são enganosamente “imaginadas por
todos” como satisfatórias e adequadas. Ele, por não conhecer outras
experiências, só pode achar que este ambiente em que vive é bom. Tem
amigos, vai à escola todos os dias, é bem tratado e tem a intérprete.
Todavia, tudo isto se mostra precário, longe daquilo que seria desejável
para qualquer aluno de sua idade.
(LACERDA, 2009)
Graduação em Letras Libras
Na pedagogia surda o ato de ensinar envolve situar o aluno na sua
cultura, elevar seu sentimento de pertencimento. Quando um
pedagogo(a) Surdo(a) entra em cena o aluno se sente em território
conhecido, o que não quer dizer que nos fechamos num mundo à parte,
pelo contrário, nos encontramos dentro da história. Vemo-nos dentro dos
principais acontecimentos mundiais, participamos da revolução industrial,
da revolução francesa, das artes rupestres, acompanhamos a crise de
1929, a revolução tecnológica, estamos dentro da globalização
tecnológica, torcemos pela bolsa de valores, fazemos políticas, estamos
por toda parte. Não é preciso fugir aos conteúdos curriculares, mas é
preciso situar o surdo nestes conteúdos. [...].Cada vez mais a língua de
sinais vem se destacando como a língua mediadora de acesso ao
conhecimento e inclusive como língua base no aprendizado da língua
portuguesa.
(SILVA, 2008, p. 37)
STUMPF, M. R. A educação bilíngue para surdos: relatos de experiências e
a realidade brasileira. In: QUADROS, R. M.; STUMPF, M. R. Estudos
Surdos IV. Série de Pesquisas. Petrópolis: Editora Arara Azul, 2009.
A recomendação é para que haja um grupo de alunos surdos
(idealmente oito). Este número de alunos surdos é suficiente para que
possam interagir entre eles e com os alunos ouvintes e formar um grupo
forte, capaz de assumir a diferença linguística. Quando o grupo de surdos é
muito pequeno, é esmagado e se fecha, não acontece a interação e preferem
ficar sozinhos, interagindo apenas com o professor surdo (STUMPF, 2008,
p. 432).
(...) a Língua de Sinais merece ser desenvolvida em toda sua complexidade,
por um sinal formal (STUMPF, 2008, p. 434).
SCHIMITT, D. Espaço de conforto linguístico/ cultural dos surdos na UFSC.
In: QUADROS, R. M. Estudos Surdos III. Série de Pesquisas. Petrópolis:
Editora Arara Azul, 2008.
“Estou tendo muito acesso devido a UFSC oferecer a acessibilidade de
comunicação. Aqui tenho intérprete e também tenho professora Surda
dando aula para surdo e ouvinte. A forma de avaliar os trabalhos está
conforme indicado no Decreto 5626/05.”
“Eu estou satisfeito em fazer mestrado na UFSC, pois posso ser eu mesma,
surda! Tenho intérpretes de LS para acompanhar as aulas e apresentação de
trabalhos, tenho professoras bilíngues com as quais troco muita
informação; tenho os colegas surdos para várias discussões e troca de
idéias.”
SCHIMITT, D. Espaço de conforto linguístico/ cultural dos surdos na UFSC.
In: QUADROS, R. M. Estudos Surdos III. Série de Pesquisas. Petrópolis:
Editora Arara Azul, 2008.
“- Com participação dos intérpretes de LSB;
- Com a participação de professor (a) surdo (a);
- Com a participação de professor (a) usuária de LSB;
- Com a participação de colegas não surdos e usuários de LSB;
- Com a participação de colegas surdos
Afinal tem o espaço de LSB onde posso comunicar no meu dia-a-dia”
Obrigado!
Bruno Gonçalves Carneiro
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