Aula 2 - Hartog

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Transcript Aula 2 - Hartog

TEORIA DA HISTÓRIA I
KARINA ANHEZINI
[email protected]
INTRODUÇÃO: O CONCEITO
MODERNO DE HISTÓRIA.
DA HISTORIA MAGISTRA
VITAE AO “REGIME
MODERNO DE
HISTORICIDADE”
HARTOG, François. Tempo,
História e a Escrita da
História: a ordem do tempo.
Revista de História, nº. 148, p.
09-34, 1º semestre de 2003.
(Disponível online)
François Hartog
• Historiador atento às pressões do contemporâneo;
• Preocupado em oferecer ferramentas conceituais para se pensar tanto
sobre o tempo quanto no tempo;
• Presentismo e regime de historicidade são noções que o olhar desse
historiador se esforçou para definir;
• Em 2003 Régimes d’historicité. Présentisme et expériences du temps;
• Obras traduzidas para o português: O espelho de Heródoto. Ensaio sobre a
representação do outro (1999);
• O século XIX e a História. O caso Fustel de Coulanges (2003);
• Os Antigos, o passado e o presente (reunião de artigos escritos entre 19821999 – tradução de 2003);
• A história de Homero a Santo Agostinho (2001);
• Memória de Ulisses. Narrativas sobre a fronteira na Grécia Antiga (2004);
• Evidência da história. O que os historiadores veem (2005 – tradução de 2011);
François Hartog
• Importante artigo a respeito de Hartog: NICOLAZZI,
Fernando. A História entre tempo: François Hartog e a
conjuntura historiográfica contemporânea. História: Questões
e Debates, n. 53, p. 229-257, 2010.
• Preocupação com as temporalidades – de que maneira são
articuladas as diversas temporalidades (antigos, modernos,
selvagens);
• Acredita que o historiador possa operar uma intervenção
intelectual em seu próprio tempo, situando-se no e pensando o
presente.
François Hartog
• Referência fundamental: A escrita da História de Michel de
Certeau (1974);
• Impôs uma visada antropológica sobre o tempo – idas e
vindas entre tempos diferentes, percorrendo os tremores no
tempo, preocupado com as “brechas” – alteridade, fronteira,
como o tempo foi habitado, qual o lugar do tempo nas
sociedades?
• Professor na École des Hautes Études en Sciences
Sociales/EHESS, em Paris;
• Ministra o seminário “Historiografia antiga e moderna”;
• Preocupações: memória, patrimônio, testemunha, os usos
políticos do passado.
O texto e seu suporte
• Publicado na Revista de História (qualis A1) –
avaliação
da
CAPES
–
Coordenação
de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior;
• Revista fundada em 1950 - Publicada pelo
Departamento de História da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo (DH/FFLCH/USP)
• Tradução do Professor de História Antiga do
Departamento de História da FFLCH/USP – Francisco
Murari Pires – projeto de pesquisa: Antigos e
Modernos: diálogos sobre a escrita da história.
Problematizando a questão...
• Tempo, história e a escrita da história: a ordem do tempo;
• 1989 – “Seria significativo considerarmos nossa atual situação, digamos a
partir de 1989, do ponto de vista de nossas relações com o tempo?” (p. 10)
•
• História do tempo – uma viagem de duas vias – do século XX para a
Mesopotâmia antiga e de volta para o século XX.
• Preocupação/ o guia da viagem – “os modos por que se conectam
presente, futuro e passado na escrita da história” (p. 10).
• O autor esclarece que é uma forma bem específica e recortada: “Estas
configurações intelectuais compõem apenas uma camada nas relações
complexas e intrincadas para com o tempo mantidas por toda a sociedade
a cada momento, uma trama percorrendo a tapeçaria” (p. 10).
1989 – queda do Muro de Berlim
• O texto parte de um recorte- uma temporalização – 1989,
• Fim da história? – Livro de Francis Fukuyama “Fim da História
e o Último Homem” (1995) – cientista político – professor na
Johns Hopkins University, EUA.
• O sucesso do livro era a previsão aos moldes de Hegel ou
Marx anunciando não o fim da história social ou o fim dos
acontecimentos, mas o início de uma sociedade tecnológica
que pudesse suprir todas as necessidades humanas. Atingindo
o último estágio de avanço econômico, ocorreria o fim do
desenvolvimento dos princípios e das instituições básicas,
pois todas as questões realmente importantes estariam
resolvidas – a vitória da democracia liberal.
Para Hartog...
• “1989 significaria antes o fim (ou pelo menos uma
nítida quebra) do que denomino o regime moderno
de historicidade (régime d’historicité), que começou
por volta de fins do século XVIII” (p. 11).
• Hipótese – 1789- 1989 regime moderno de
historicidade;
• No que diz respeito à historiografia – significa um
período em que o ponto de vista do FUTURO domina;
• A palavra-chave é PROGRESSO;
• História é entendida como PROCESSO
• Tempo é direcionado a um FIM (PROGRESSÃO;
O fim desse regime impõe
questões...
• Significaria que pós 1989 não seria mais possível
escrever história do ponto de vista do futuro;
• O passado se torna imprevisível ou mesmo opaco;
• Antes a escrita a respeito do passado era iluminada
pelo futuro, se o futuro não guia o nosso olhar, o
passado é indeterminado;
• O passado deve ser reaberto;
• COMO O VEREMOS? QUE QUESTÕES DEVEMOS
COLOCAR?
Nos últimos 20 anos...
• Vivemos uma certa perplexidade (fim dos grandes modelos,
pós-isto ou aquilo);
• Dentre os historiadores uma frase aparece com frequência:
“necessidade de ‘orientações’ ou o diagnóstico da falta de
‘orientações’;
• Soluções/propostas do autor: por em questão o tempo para
encontrar um guia, uma orientação; pesquisar as nossas
relações presentes com o tempo ou, num quadro
comparativo, investigar momentos do passado em que as
relações da sociedades com o tempo entraram em crise;
• Momentos de crise do tempo e no tempo;
• Mesmo nas incursões mais remotas no tempo (Mesopotâmia)
as observações partem da nossa situação atual e intentam
retornar a ela.
Regime de historicidade
• A partir das questões relacionadas com a Antropologia,
Hartog se coloca a pensar sobre as “brechas” no tempo e
sobre a ascensão do presente como categoria temporal
dominante. (Texto de 1995 publicado na revista Annales).
• Em 2003 (Régime d’historicité)– não é um tratado teórico
sobre um conceito
• Para Hartog – o regime de historicidade não pretende dizer a
história do mundo passado e menos ainda aquela do porvir;
• Quer ser uma ferramenta, uma hipótese formulada a partir de
nossa contemporaneidade, que deveria permitir o
desdobramento de um questionamento de historiador sobre
nossas relações com o tempo.
• Se volta para os momentos de crise do tempo – aqui e lá –
quando justamente vêm a perder sua evidência as
articulações do passado, do presente e do futuro.
Retomada de questões conhecidas por meio de
Koselleck
• Tocqueville que viaja para o futuro – a América – para
compreender melhor o passado;
• Droysen que destaca o coletivo singular – história como
narrativa do unívoco;
• Hartog acrescenta um exemplo importante: no final do século
XIX “algum dia no futuro virá o dia glorioso da síntese, mas
por enquanto é o tempo da análise”.
• “no decorrer do século XIX, eles [os historiadores]
organizaram sua disciplina como uma ciência do passado, mas
esta ciência por sua vez tornou-se teleológica: mostrou como
o moderno Estado nação se desenvolveu de origens remotas
no passado. Se há alguma lição, ela vem, por assim dizer, do
futuro, e não mais do passado” (p. 13)
Historia magistra e Pré-história da
historicidade
• O objetivo do texto é tratar da crise do regime
moderno, mas antes apresenta o destino da Historia
magistra e a pré-história da historicidade;
• P. 14 – problematizações em torno da história mestra
da vida:
• 1) a historia magistra pagã sobrepôs-se ao conceito
cristão de história –até Eusébio de Cesaréia e Santo
Agostinho;
• 2) ao longo da Idade Média ficou subordinada à
História da Igreja- foi cristianizada;
Historia magistra e Pré-história da
historicidade
• 3) ganhou mais importância no Renascimento com a
redescoberta e leitura de historiadores antigos – imitação dos
antigos;
• 4) no século XVIII – em 1726 – a história “é a escola comum de
toda a raça humana”.
• 2 momentos da pré-história da historicidade:
• a Mesopotâmia antiga –II milênio a. C. e a adivinhação
magistra;
• e a Grécia antiga – século VII com a epopeia homérica.
Os momentos de questionamento de um regime
de historicidade
• 1º momento- Guerras religiosas do século XVI e as dificuldades em
se encarar o Novo Mundo;
• O autor destaca 3 casos:
• 1566 – Jean Bodin – parte da história dos exemplos do passado e
segue questionando a autoridade do passado;
• 1575 – Loys le Roy – baseia-se na historia magistra e a desafia ao
tentar provar a superioridade do presente;
• 1580 – Montaigne – uso extensivo de exemplos, mas os exemplos
perdem a capacidade de generalização – tende a atestar a
variedade do mundo, torna-se um apanhado de curiosidades.
• Talvez a historia magistra tenha permanecido como modelo pelo
reciclar da História da Igreja e pela formação das grandes
monarquias (absolutistas, especialmente);
Os momentos de questionamento de um regime
de historicidade
• 2º momento – entre dois regimes de historicidade: entre a
dissolução da historia magistra e a implementação do regime
moderno de historicidade.
• Tocqueville – é uma boa testemunha;
• Novo calendário – como expressão de um novo tempo;
• Chateaubriand – toda a sua obra pode ser lida como uma
reflexão sobre o tempo – revisou a própria obra 25 anos
depois;
• Em Chateaubriand – há um revezamento perpétuo entre
espaço e tempo: América e Antiguidade – visitar o passado ou
antever o futuro desde o passado.
Questionamento e crise do regime
moderno
• Em torno da Primeira Guerra Mundial – críticas ao
historicismo ou, na França, contra a assim chamada
história positivista;
• Principais
críticas:
cronologia
e
narrativa
factual/superficial;
• Necessidade de elaboração de um novo conceito de
história que pudesse explicar os movimentos mais
profundos da sociedade;
O presente toma a primeira cena...
• O autor seleciona alguns exemplos:
• Walter Benjamin – entre 1920 e 1940 – intentou
formular um novo conceito de história que rompesse
com a crença no PROGRESSO e com a ideia de que a
humanidade avança em um tempo linear e
homogêneo. “Sobre o conceito de História”.
• Benjamin “desenvolve uma concepção de tempo
que, partindo do presente, traz o passado à
atualidade do presente, o guarda, tomando por sua
base a noção de Jetztzeit (agora).
Os críticos da chamada história positivista...
• Anos 20 - Inspirados pelos geógrafos e economistas, os
historiadores criticavam uma história nacional concebida como
história política do progresso da ideia de nação – advogavam uma
história social e econômica – dedicada ao estuda da sociedade;
• Para tanto, precisam de novas formas de temporalidade – Fernand
Braudel – (longue durée) - década de 50 – diferentes tipos de
duração do tempo – tempo curto, tempo médio, longa duração;
• Essa nova concepção de tempo se encontrou com o estruturalismo
de Lévi Strauss – 1960;
• Paul Valéry – a história não serviria para enfrentar o presente ou
para conformar o futuro – a história escrita pelos historiadores nada
mais é do que gênero literário;
Com a Segunda Guerra 0 regime voltou a atuar
muito bem...
• Mesmo com as novas formulações de tempo
histórico e com as críticas ao historicismo, o regime
moderno de historicidade “manteve-se no poder” –
papel dos fascismos na formulação de um futuro
radioso;
• “o Progresso se apresentava como uma aceleração
da aceleração anterior”.
• Comparado ao presente, o futuro ocupava cada vez
menos lugar – era tempo de reconstrução,
modernização, planificação, confronto Leste e Oeste
no presente;
Presentismo
• Tese do autor: “Mesmo que seu fortalecimento recente seja
indubitável, tal foco posto no presente (por si e em si), que
denomino presentismo, não constitui fenômeno novo. O que
temos experienciado no Ocidente ao longo do século XX é
uma ênfase crescente no presente enquanto tal”. (p. 25)
• A historiografia profissional restabeleceu um interesse pelo
passado e pelo presente – os primeiros Annales de Bloch e
Febvre;
• O selvagem torna-se moda em meados do século – descrença
no progresso das sociedades modernas;
Anos 60 – “Tudo, tudo agora” “Sem
futuro”
• “Houve então uma estranha combinação entre utopia ou
aspirações revolucionárias (assim de orientação para o futuro)
com um horizonte estritamente limitado ao presente” (p. 27)
• Vieram desilusões, o fim das esperanças revolucionárias, crise
econômica...
• E a historiografia, como respondeu a essas transformações?
• “Até meados dos anos setenta, pelo menos na França, podese constatar que a longa duração e uma história econômica e
social que faz contas e medidas ocupam o primeiro plano [...]
Seguindo pelo mesmo caminho, mas em outro nível (as
mentalidades) uma história que tende a etnologizar o passado
tornou-se ativa sob o nome de antropologia histórica” (p. 27)
–Le Goff.
• “história do presente” – do contemporâneo e a partir dele
Outra fenda – meados de 70
• Questão da identidade, busca de raízes, ânsia pela memória,
preocupada com o “patrimônio”, atormentada pela conservação
dos documentos, de lugares antigos ou não tanto, a preservação da
natureza, recuperação do que fora perdido;
• Monumentos;
• Rememoração;
• Conservação;
• Comemorações;
• Patrimônio;
• Identidade – palavra-chave dos anos 80.
• Nesse movimento se percebe a reintrodução do futuro como uma
perspectiva – um futuro pessimista que se quer retardar – desastres
ecológicos;
Chegamos a 1989...
• A hipótese – de uma nítida quebra ou mesmo fim do antigo regime
moderno de historicidade;
• Um passado imprevisível - novas questões colocadas ao passado –
abertura para várias possibilidades de respostas;
• Micro-história ;
• Novas maneiras de comunicação entre passado, presente e futuro;
• A questão do ponto de vista – “o historiador não tem escolha, a não
ser edificar um (seu) ponto de vista tão explicitamente quanto
possível” (p. 32)
• Hartog propõe a abordagem comparativa e termina com a proposta
da história da história.