A proposta de intervenção

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A proposta de intervenção
A redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
segue os critérios adotados pelos principais vestibulares e
concursos: o texto deve se adequar à proposta, apresentar
coerência e coesão e ser escrito de acordo com a “norma culta
da língua escrita”.
Uma característica distinta da prova do Enem, contudo,
é exigir que você apresente uma “proposta de solução para o
problema abordado, mostrando respeito aos valores humanos
e considerando a diversidade sociocultural”. Portanto, além de
analisar a questão em debate, é preciso oferecer uma solução
para ela. E lembremos que os temas do Enem costumam dizer
respeito a assuntos de interesse público, como a proteção aos
idosos, o desmatamento da Amazônia e os direitos das crianças
e dos adolescentes.
Ao elaborar sua proposta, vale a pena levar em conta
os seguintes critérios:
Relação com a análise – Imagine um texto sobre
a criminalidade entre crianças e adolescentes no Brasil.
Ao tratar das causas desse grave problema, ele aponta
para a pobreza e o desemprego. Diz, em síntese, que é
por falta de condições econômicas dignas que tantos
meninos e jovens tornam-se infratores no país.
No final, propõe que a educação pública deve
sofrer uma reforma profunda, de modo que haja maior
acesso a informações, valores e oportunidades.
A princípio, é uma boa proposta. Qualquer um
concordaria com ela. Contudo a análise se
concentrava em fatores econômicos, e não
diretamente na questão educacional. Uma
alternativa melhor seria ampliar e otimizar os
programas de distribuição de renda como o Bolsa
Família. Aí, sim, a proposta estaria bem amarrada
com o desenvolvimento.
Respeito a valores humanos
O Enem não busca apenas medir domínio de
conteúdos, mas quer também saber se a pessoa que
terminou o ensino médio de fato pensa como um cidadão
consciente. Assim, além de ser coerente com sua análise, a
proposta deve respeitar os direitos humanos, valorizando a
igualdade, a liberdade, a solidariedade e a diversidade
sociocultural.
Mas pode acontecer de uma proposta ferir
esses valores de forma menos óbvia.
Voltemos ao exemplo do texto sobre as
crianças e os adolescentes infratores.
O que dizer da ideia de que o envolvimento
com o crime ocorre por conta dos maus exemplos
dos pais, geralmente pessoas sem preparo,
moradores de regiões carentes, que não teriam
transmitido aos filhos os valores adequados?
Uma proposta baseada nessa ideia - por
exemplo, ensinar aos pais o que é certo e errado.
Medidas específicas e realizáveis – Muitas vezes os
textos propõem medidas vagas, gerais, que não adicionam
muito à discussão, ainda que respeitem os valores humanos e
sejam coerentes com a análise empreendida. Quanto ao
problema dos menores infratores, alguém poderia propor
melhorar a educação e diminuir a pobreza. todos concordamos
com isso.
Mas como melhorar a educação, como diminuir a
pobreza?
Vale um esforço para elaborar medidas mais específicas e
concretas, como aumento do salário dos professores da rede
pública, maior permanência na escola, apoio à prática de
atividades esportivas, programas de bolsas que estimulem o
jovem a estudar e se preparar para o mercado, aumento do
salário mínimo e melhora na infraestrutura e na segurança nas
comunidades mais carentes.
Outro problema comum é um certo excesso de utopia
nas propostas apresentadas.
Pense bem, se você concorda que a causa do
problema é complexa, envolve tanto economia quanto
educação, seu texto não pode dizer que basta todos nos
darmos as mãos e abraçar a cultura da paz!
O que é possível fazer? Que medidas podem trazer um
bem maior, dentro das limitações da realidade? Seria mais
fecundo propor, para promover a paz, o combate à cultura da
violência, com a formação de grupos de discussão nas
comunidades, relatos de histórias de vida de quem se envolveu
com o crime, além de medidas que combatam os demais
aspectos do problema.
Diálogo com o que existe
Por fim, vale lembrar que os temas do ENEM, por serem de
interesse público, normalmente são alvo de ampla discussão na sociedade.
Já circulam diversos posicionamentos sobre eles, e os governos e a
sociedade certamente estão envolvidos em possíveis soluções, ainda que
infelizmente elas nem sempre sejam as melhores. Tanto secretarias e
ministérios quanto ONG’s realizam ações contra o desmatamento da floresta
amazônica, por exemplo.
Por isso, não é preciso reinventar a roda! Com certeza você já
conhece algumas das iniciativas existentes, então por que não dialogar com
elas?
É claro que você não precisa concordar com o que é feito, mas
ignorar que elas existem só desvaloriza o seu argumento.
Se você considera o Bolsa Família, da forma como funciona hoje,
pouco eficiente no combate de problemas como o das crianças e
adolescentes envolvidos com a violência, então proponha melhorias a ele,
ou diga que apenas distribuir renda não vai adiantar, pois a questão é ainda
mais complexa.
Discuta, dialogue, mostre interesse em participar da busca pelas
melhores soluções.
Quinze minutos de privacidade
Quando afirmou que, no futuro, todos teriam direito a
quinze minutos de fama, Andy Warhol indicou o desejo pela fama
como uma tendência da sociedade de massa. A famosa frase foi
cunhada no fim da década de 1960, quando a internet só existia
como uma rede acentrada ainda com objetivos militares. Hoje, a
grande rede se faz presente em boa parte das atividades
cotidianas, como as próprias relações interpessoais, uma
"'evolução" que transformou a crítica do conhecido artista
plástico em uma espécie de profecia a ser seguida. O problema,
nesse caso, é que a vida virtual, muitas vezes, elimina a tênue
fronteira entre o público e o particular.
Basta ter uma conta de e-mail ou navegar
eventualmente pela internet para perceber os perigos que ela
oferece. De fato, invasões de contas e crimes de diversas
naturezas tornam a rotina em banda larga pouco segura,
transformando informações sigilosas em conteúdo público com
a mesma velocidade da comunicação em tempo real. Embora
haja uma discussão acerca da correção do caso, o trabalho da
organização conhecida como "Wikileaks" evidencia como nem
mesmo empresas e governos, com suas redes de seguranças
supostamente seguras, estão imunes a esses riscos.
Nem sempre, porém, o problema é fruto de invasões e
crimes: o desejo pela exposição e pelo reconhecimento virtual
tem levado a perigosos exageros na vida real. Por trás de perfis
em redes sociais e de pseudônimos em chats e blogs, muitas
pessoas expõem suas intimidades, com frases ou fotografias
comprometedoras profissional e socialmente. Prova disso são os
casos de demissões e processos causados pela publicação de
conteúdos considerados inapropriados, mesmo que isso tenha
sido feito em ambientes tipicamente "pessoais". Assim, trata-se
de uma ilusão imaginar que a vida em bytes, revelada no
interior de um quarto fechado, possa ser dissociada da vida em
carne e osso, em ruas e calçadas.
Diante de um panorama complexo, repleto de variáveis, é
fundamental buscar caminhos para o estabelecimento de limites
entre o público e o privado na grande rede. O primeiro passo
deve ser dado pelos governos, com a criação e o aprimoramento
de legislações específicas e mecanismos de identificação e
punição capazes de inibir crimes relacionados a invasões de
privacidade e manifestações preconceituosas. Afinal, o que é
socialmente ilegal e imoral na vida real também o é na internet.
Na mesma perspectiva, a mídia pode divulgar - tanto no
noticiário quanto em dramaturgias - os perigos da exposição na
internet, de modo a sensibilizar a sociedade.
Fica claro, portanto, que são necessárias medidas
urgentes para evitar uma confusão danosa entre o particular
e o público na internet. Contudo, a transformação profunda
deve ser feita na nova geração de crianças e adolescentes,
que já nasceu e vem crescendo em um ambiente
paralelamente real e virtual. Por isso, o trabalho de ONGs e,
sobretudo, de escolas parece ser a solução mais eficaz. Com
aulas e palestras sobre o uso seguro e socialmente adequado
da internet, é possível imaginar um futuro em que menos
pessoas se prejudiquem com a vida em banda larga, e mais
indivíduos usem esse recurso para, por exemplo,
compreender melhor a frase de Andy Warhol.