O fantástico - Ensino Super

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O que é o Fantástico?
Uma breve panorama de um objeto movente
Prof. Dr. Alexander Meireles da Silva
Professor Adjunto do Departamento de Letras do CAC/UFG
Conceito inicial de “Fantástico”
• “1. aquilo que só existe na imaginação, na fantasia;
2. caráter caprichoso, extravagante; 3. o fora do
comum; extraordinário, prodigioso; 4. o que não tem
nenhuma veracidade; falso, inventado” (HOUAISS.
Dicionário eletrônico da língua portuguesa, 2001)
De que Fantástico falamos?
• Gênero ou Modo?
• Como Gênero literário, o Fantástico se refere a um tipo de
romance vigente entre o fim do século dezoito até o início do
século vinte e caracterizado pelo surgimento de um evento
sobrenatural, insólito, em meio a um cenário familiar,
cotidiano e verossímil. Tudo parece reproduzir a vida
cotidiana, a normalidade das experiências conhecidas,
quando algo inexplicável e extraordinário rompe a
estabilidade deste mundo natural e defronta as personagens
com o impasse da razão. A partir deste momento, a narrativa
do Fantástico elabora explicações racionais a respeito do
evento sobrenatural que nunca são comprovadas de fato. Ou
seja, o discurso narrativo fantástico constrói e mantém as
personagens num estado de incerteza permanente .
O Fantástico como Gênero
• Exemplos de obras inseridas no universo do
gênero fantástico podem ser encontradas em
“O estranho caso do Sr. Valdemar”, de Poe; “A
pata do macaco”, de W. W. Jacobs e alguns
contos de J. J. Veiga e Kafka, para citar alguns
autores. Em todos eles a presença do
elemento insólito na narrativa desequilibra o
senso de realidade dos personagens (e
também do leitor).
Características do Fantástico enquanto Gênero
• Para Selma Calasans Rodrigues em O
fantástico (1998) esta expressão artística se
caracteriza pela presença da casualidade
mágica e da hesitação (RODRIGUES, 1988, p.
9-11.). Há um enfoque no “mecanismo” que
dá forma ao Fantástico, ou seja, na ocorrência
de acontecimentos que não se aplicam à
realidade palpável.
Características do Fantástico enquanto Gênero
• Para Tzvetan Todorov em Introdução a literatura fantástica (1970) o
fantástico se configura pela “hesitação experimentada por um ser
que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento
aparentemente sobrenatural” (TODOROV, 1992, p. 31) e exige que
três condições sejam preenchidas: 1) Que o texto obrigue o leitor a
considerar o mundo das personagens como um mundo de pessoas
vivas e a hesitar entre uma explicação natural e uma explicação
sobrenatural dos acontecimentos evocados; 2) Que a hesitação seja
igualmente sentida por uma personagem; desse modo, o papel do
leitor é, por assim dizer, confiado a uma personagem; no caso de
uma leitura ingênua, o leitor real se identifica com a personagem;
3) Que o leitor adote uma certa atitude com relação ao texto: ele
recusará tanto a interpretação alegórica quanto a interpretação
“poética”.
Características do Fantástico enquanto Gênero
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Filipe Furtado, por sua vez, defende em A construção do fantástico na narrativa (1980)
que o Fantástico se dá por meio de:
“Uma organização dinâmica de elementos que, mutuamente combinados ao longo da
obra, conduzem a uma verdadeira construção de equilíbrio difícil (...) é da rigorosa
manutenção desse equilíbrio, tanto no plano da história como no do discurso, que
depende a existência do fantástico na narrativa” (FURTADO, 1980, p. 15).
Focando na combinação de elementos narratológicos, Furtado destaca:
1. A explicitação da presença de um narratário (preferencialmente intradiegético), ao
qual cabe, em principio, uma dupla função: por um lado, sentir e refletir a leitura
incerta da manifestação meta-empírica; por outro, transmitir ao receptor real do
enunciado idêntica perplexidade perante o conteúdo da intriga, ou seja, contaminar o
leitor com sua hesitação;
2. Organizar as funções das personagens de acordo com uma estrutura actancial que
reflita e confirme as características essenciais ao gênero já apresentadas;
3. Utilizar narradores intradiegéticos – auto ou homo –, cujo duplo estatuto face à
intriga resulte em uma maior autoridade perante o receptor real da enunciação, o
leitor;
4. Evocar um espaço híbrido, indefinido, que, aparentando sobretudo representar o
mundo real, referencial e exterior à narrativa, o universo do leitor, contenha indícios da
própria subversão deste e a deixe insinuar-se aos poucos. (FURTADO, 1980, p. 133)
O Fantástico como Modo
• A variedade de manifestações do fantástico em diversos gêneros e
vertentes tem levado diferentes críticos, como André Jolles, Irène
Bessière, Rosemary Jackson e Patrick D. Murphy a considerarem-no
como um modo literário e performativo definido por uma “lógica
narrativa ao mesmo tempo formal e temática que, surpreendente
ou arbitrária para o leitor, reflete, sob o jogo aparente da invenção
pura, as metamorfoses culturais da razão e do imaginário social”
(BESSIÈRE apud CESERANI, 2006, p. 63). Exemplificada no mito, na
lenda, nos contos populares e de fadas, nos romances góticos, na
ficção científica, no cordel e na fantasia, o ponto em comum a estas
narrativas é a presença de elementos meta-empíricos, ou seja,
elementos que ultrapassam a natureza conhecida, situando-se, de
algum modo, num plano simultaneamente exterior e superior.
O Fantástico como Modo
• Para Remo Ceserani em O fantástico (2006, p. 68-77) o modo fantástico se
constrói por procedimentos narrativos e teóricos tais como:
1. Posição de relevo dos procedimentos narrativos no próprio corpo da
narração;
2. Narração em primeira pessoa;
3. Forte interesse pela capacidade projetiva e criativa da linguagem;
4. Preocupação com o envolvimento do leitor;
5. Passagem de limite e de fronteira;
6. Presença de um objeto mediador entre o real e o insólito;
7. Uso de elipses;
8. Utilização de técnicas e práticas teatrais;
9. Presença da figuratividade;
10. Foco na função narrativa do detalhe.
O Fantástico como Modo
• Nesta leitura, o Fantástico, enquanto modo literário, se
assemelha com o Imaginário na visão de François Laplantine e
Liana Trindade em O que é imaginário (1996) não pela
negação total do real, mas por apoiar-se no real para
transfigurá-lo e deslocá-lo, criando novas relações no
aparente real.
• Para estes críticos, a negação do real, na qual está contida a
concepção de loucura e ilusão, não tem nada a ver com o
conceito de imaginário, pois encontram-se no imaginário,
mesmo através da transfiguração do real, componentes que
possibilitam aos homens a identificação e a percepção do
universo real.
As fronteiras do Fantástico
• O Fantástico, na visão todoroviana, dura apenas o tempo de
uma hesitação: hesitação comum ao leitor e à personagem,
que devem decidir se aquilo que percebem se deve ou não à
“realidade”, tal qual ela existe para a opinião comum. No fim
da história, o leitor, senão a personagem, toma entretanto
uma decisão, opta por uma ou outra solução, e assim fazendo
sai do fantástico. Se ele decide que as leis da realidade
permanecem intatas e permitem explicar o fenômeno
descrito, dizemos que a obra pertence ao gênero do Estranho.
Se, ao contrário, ele decide que se deve admitir novas leis da
natureza, pelas quais o fenômeno pode ser explicado,
entramos no gênero do Maravilhoso.
As fronteiras do Fantástico
• Estranho puro: As obras que pertencem a esse
gênero, relatam-se acontecimentos que podem
perfeitamente ser explicados pelas leis da razão, mas
que são, de uma forma ou de outra, incríveis,
extraordinários, chocantes, singulares, inquietantes,
insólitos.
• Fantástico-estranho: Os acontecimentos que
parecem sobrenaturais ao longo da história recebem
por fim uma explicação racional. Também chamado
de “Sobrenatural explicado.”
As fronteiras do Fantástico
• Fantástico-maravilhoso: Nesta classe as narrativas se
apresentam como fantásticas e terminam no
sobrenatural. São essas as narrativas mais próximas
do fantástico puro, pois este, pelo próprio fato de
não ter sido explicado, racionalizado, nos sugere a
existência do sobrenatural.
• Maravilhoso puro: Os elementos sobrenaturais não
provocam qualquer reação particular nem nas
personagens nem no leitor implícito. Não é uma
atitude para com os acontecimentos contados que
caracteriza o maravilhoso, mas a própria natureza
desses acontecimentos.
Referências
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BESSIÈRE, Irène. Le récit fantastique: La poétique de l’incertain. Paris: Larousse, 1974.
CESERANI, Remo. O fantástico. Trad. Nilton Cezar Tridapalli. Curitiba: Ed. UFPR, 2006)
FURTADO, Filipe. A construção do fantástico na narrativa. Lisboa: Horizonte, 1980.
GARCIA, Flavio, BATISTA, Angélica Maria Santana. Dos fantásticos ao Fantástico: um
percurso por teorias do gênero. In: SILVA, José Pereira (Ed.). Revista SOLETRAS. n.10.
São
Gonçalo:
FFP/UERJ,
2005.
Disponível
em
http://www.filologia.org.br/soletras/10/11.htm
LAPLANTINE, François, TRINDADE, Liana. O que é imaginário. São Paulo: Brasiliense,
1996. (Coleção Primeiros Passos 309).
PAES, José Paulo. As dimensões do fantástico. In: PAES, José Paulo. Gregos e baianos.
São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 184-192.
RODRIGUES, Selma Calasans. O fantástico. São Paulo: Ática, 1988 (Série Princípios 132).
TODOROV, Tzvetan. A narrativa fantástica. In: TODOROV, Tzvetan. As estruturas
narrativas. Trad. Leyla Perrone-Moisés. 4ed. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 147-166.
(Debates 14).
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Trad. Maria Clara Correa Castello.
2ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. (Debates 98).
www.ensinosuper.com