Brasilia - Casa de Lucio Costa

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Transcript Brasilia - Casa de Lucio Costa

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Brasília...

...e seu idealizador,

Lucio Costa.


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Filho de pais nascidos em
Salvador e Manaus, e
residentes no Rio de
Janeiro, Lucio Costa
nasceu em 27 de fevereiro
de 1902, em Toulon, na
França, em razão das
longas estadas do pai na

Europa, a serviço do
governo brasileiro.


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A sua família se mudou
definitivamente para o Brasil
em 1916, num navio às escuras

para escapar dos submarinos
alemães em plena Primeira
Guerra Mundial. Contava ele
com 14 anos.

Em 1923 diplomou-se em arquitetura pela
Escola Nacional de Belas Artes.


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Foi numa visita informal a uma residência em reforma,
para onde se dirigira a fim de verificar sem compromisso
o andamento da obra, que se deparou pela primeira
vez com Julieta, apelidada de Leleta.
Conforme relataria mais tarde, ela
estava atirada ao chão, ocupada
em afazeres domésticos, “com uma

Flor de manacá

florzinha de manacá nos cabelos”.

Os caminhos do jovem arquiteto e da moça que
emanava beleza e elegância se encontravam e
passariam, em breve, a se tornar um.


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Em 1929, Lucio Costa e Julieta Guimarães
se casam numa cerimônia simples.

Passam a morar, por alguns anos, na casa de verão do
sogro, em Correias, simpática cidade perto de
Petrópolis.
Nascem as duas filhas do casal,
Maria Elisa, filha mais velha, e Helena.


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Em 1930, aos 28 anos de idade foi nomeado diretor da
Escola Nacional de Belas Artes, além de montar, em
parceria com outro arquiteto, o seu próprio escritório.
Porém, às vezes, interrompia o percurso profissional e
recolhia-se em si mesmo.
Num desses períodos, de 1932 a 1936, que ele chamou
de chômage (em francês, desemprego), rejeitou todos

os projetos que lhe pediam.
Aproveitou o período para estudar a fundo a obra dos
fundadores da arquitetura moderna.


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Foram anos de crise intelectual,

porém fundamentais na sua formação.
“Muitos arquitetos se revelam num período de sucesso.
Eu me formei no fracasso”, escreveria mais tarde.

“É justamente quando a perplexidade
atinge seu clímax que novas perspectivas se
abrem de repente em meio à configuração
intrincada e ilógica dos acontecimentos, e
tudo parece, de novo, fácil e claro.”


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Em 1937 assumiu a direção da Divisão de Estudos de
Tombamentos do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Sphan).
Com sua entrada no Sphan acabou por abandonar o
escritório profissional.

Sua mesa era ao lado do poeta Carlos Drummond
de Andrade.
Dentre seus principais trabalhos neste período configuram o
projeto do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de
Janeiro, - conhecido hoje como Palácio da Cultura -,
inaugurado em 1945, e a participação na comissão

encarregada de analisar os projetos para a sede da
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência
e Cultura (Unesco), em Paris, nos anos de 1952 e 1953.


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Num fim-de-semana, no ano de 1954, a família arrumou as
malas e tomou a direção do distrito de Correias, na serra
fluminense, onde costumava descansar.
Uma tarde de mormaço, que logo virou
chuva de final de verão.

De repente, o carro deslizou e foi de encontro
a uma árvore. Julieta, mulher de Lucio, foi apunhalada pela
alavanca de mudança, que era presa ao volante do
automóvel. Teve morte instantânea.
Ele se culpou o resto da vida, acreditando ter cochilado
alguns segundos na direção, embora haja indícios de que os
pneus tenham perdido a aderência à pista molhada. As filhas
tentaram em vão convencê-lo de que havia sido uma
fatalidade. "Foi um cochilo meu, idiota. Que maldade do
destino!", lamentava-se.


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Muitos anos depois do ocorrido, o poeta Thiago de
Mello testemunhou a dor do amigo. Ele havia ido
visitar o arquiteto, em seu apartamento, no Leblon.

Conversavam, Thiago andava pela sala até que
parou e ficou contemplando o retrato na parede.
Comentou: ‘‘Como era linda, Lucio, a sua mulher!’’.
Ele sorriu suavemente, se calou e, em seguida,

calmamente,

passou

a

contar

ao

amigo

as

circunstâncias do acidente. Chorava.
Guardou, por 44 anos, a dor de ver sua amada
morrer num acidente com o carro que ele dirigia.


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Em 1957, atendendo a um sonho do então
presidente Juscelino Kubitschek, um concurso
para propostas de projeto para a construção da
futura capital, Brasília, é realizado.

A idéia de planejar uma nova cidade atrai Lucio Costa.
Trancado em si mesmo, precisou de pouco mais de
três meses para criar um novo mundo.


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11 de março de 1957, a filha do arquiteto desceu às
pressas de um velho Citröen, enquanto o pai a esperava
no carro, rente à calçada do prédio do então Ministério
da Educação e Saúde Pública, no centro do Rio.
Faltavam dez minutos para o encerramento do prazo
de entrega dos projetos do concurso do Plano Piloto.


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A moça subiu ao saguão do
Ministério, entregou o projeto,
apanhou o recibo e foi embora.


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O júri era formado por seis membros,
- renomados arquitetos, urbanistas e
críticos de arte.
O que viram foi, de início, constrangedor. Lucio Costa já era, à
época, um dos grandes nomes da arquitetura brasileira. Mas os
rabiscos toscos feitos a lápis de cor, pequenos desenhos a
nanquim e um texto batido a máquina pareciam brincadeira de
criança diante de maquetes, croquis, quadros de alumínio recursos sofisticados que compunham os projetos já entregues.

Uma semana depois, no dia 16 de março de 1957, o júri
consagrou, dentre os vinte e cinco, o mais mal-apresentado dos
projetos, um trabalho de feição amadora, sem um único cálculo.


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Sem equipe e com poucos desenhos,

mas munido de um belíssimo memorial
descritivo, o projeto de Lucio Costa foi
considerado pelo júri o único adequado
a uma capital.

A proposta aliava monumentalidade e clareza. Na
era do automóvel, suprimiu, com o uso de trevos, os
cruzamentos nas vias.

O poeta Carlos Drummond de Andrade ao ver os
traços comentou “era rabisco e pulsava”.


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Na introdução do memorial descritivo, escreveu Lucio Costa:
Desejo inicialmente desculpar-me perante a Comissão
Julgadora do Concurso pela apresentação sumária do partido
aqui sugerido para a nova Capital, e também justificar-me.
Não pretendia competir e, na verdade, não concorro, - apenas
me desvencilho de uma solução possível, que não foi procurada
mas surgiu, por assim dizer, já pronta.

...E se processo assim candidamente é porque me amparo num
raciocínio igualmente simplório: se a sugestão é válida, estes
dados, conquanto sumários na sua aparência, já serão suficientes,
pois revelarão que, apesar da espontaneidade original, ela foi,
depois, intensamente pensada e resolvida; se não o é, a exclusão
se fará mais facilmente, e não terei perdido o meu tempo nem
tomado o tempo de ninguém.


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É assim eficiente, acolhedora e íntima. É ao mesmo tempo
derramada e concisa, bucólica e urbana, lírica e funcional. O
tráfego de automóveis se processa sem cruzamentos, e se restitui o
chão, na justa medida, ao pedestre.
da Introdução do memorial descritivo
apresentado por Lucio Costa


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O criador de Brasília não gostava de acompanhar obra, cultivando até certo desinteresse pelo dia-a-dia bruto de uma
construção. Nos três anos, seis meses e 18 dias que durou a
construção, Lucio Costa veio poucas vezes a Brasília.


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Para aquele que perde um ente querido de modo
inesperado, antes da hora, as celebrações perdem
a cor, e transformam-se em ocasiões em que a
lembrança da pessoa amada se faz mais intensa.
Por causa desta lembrança, Lucio Costa não veio à
inauguração de Brasília.
Na quinta-feira, 21 de abril de 1960, dia de festa na
novíssima capital, acordou especialmente triste, com
saudades da mulher que havia morrido seis anos antes.
Era uma dor intermitente, talvez ininterrupta.


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Nos anos seguintes, elaboraria diversos outros projetos.
Lucio Costa dedicou a sua vida à busca de
uma identidade brasileira.
O único patrimônio que acumulou para si era o
modesto apartamento onde morava num prédio de
cinco andares, à beira da Praia do Leblon, em meio a
pilhas de jornais, fotos, cartas, textos e desenhos. Viva
com uma aposentadoria de R$ 1.400,00 por mês.


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Numa das suas últimas entrevistas, em 1997, aos 95 anos
de idade, diante da pergunta “Quais são seus planos para
o futuro?”, respondeu:

“Morrer, simplesmente. Sonho com uma sepultura no
cemitério São João Batista, que já existe. Comprei duas
sepulturas no São João Batista, para minha mãe e meu

pai. Pretendo ficar lá.”
Foi nesta época que escreveu a seguinte
recomendação num bilhete:
“Não me internem. Lugar de morrer é em casa.”


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Foi contemplado com a benção de atingir a
idade avançada completamente lúcido,
embora sofresse com o glaucoma, que não
lhe permitia mais olhar a paisagem que
tanto apreciava.


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Em 13 de junho de 1998, por volta das 09:00 horas da
manhã, faleceu, aos 96 anos, em sua residência no
Leblon, na cidade do Rio de Janeiro.
“Foi enfraquecendo até que, certa manhã, sentou-se
para tomar café. Bebeu três colheres e se apagou, de

mansinho", lembra a filha Maria Elisa.


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Helena, a filha mais nova, relata a seguinte recordação
dos últimos momentos ao lado de seu pai:
Há muitos anos atrás você contava que o
Aleijadinho, já muito doente, pedia que o

Senhor lhe pisasse os seus divinos pés.
Quando você já estava na última etapa
da sua vida, aquela fase tão sacrificada,
entrei no seu quarto e fui acolhida com
uma expressão tão carinhosa, que se
tornou inesquecível para mim.


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Autor da única obra contemporânea que é Patrimônio
Cultural da Humanidade, incluída no que a Unesco define
como herança do Planeta.
Membro honorário da Académie d'Architcture, do Royal
Institute of British Architects, e do American Institute of
Architets; agraciado com o título de Doutor Honoris Causa

pela Universidade de Harvard; condecorado com a maior
honraria do governo francês, a Legião de Honra, no grau
de “Commandeur”.


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Homem de longos silêncios, avesso ao espetáculo,
inimigo do espalhafato, e, até por isso, personagem
pouco conhecido da maioria dos brasileiros, mesmo
daquela parcela instruída e atenta.
Teve um sepultamento singelo - amigos, familiares.
Pouquíssimas autoridades compareceram.

Criou uma teoria que combina
humanismo e tecnologia.


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Pintou, escreveu, desenhou, criou roteiro de

filme, rabiscou caricaturas, projetou cidade,
bairro, prédios, casas e móveis, colecionou
soldadinhos de chumbo, fez amigos, filhas,
netos, bisnetos. E amou Leleta.


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Tinha modos inacreditavelmente desprovidos de vaidade.
Corria o ano de 1960, Lucio Costa viajava com as duas
filhas pela Grécia, de carro, quando comoveu-se com
um mochileiro que pedia carona. Ao saber que a
generosa família era brasileira, o caroneiro - alemão,
estudante de Medicina - desandou a falar,

entusiasmado, sobre Brasília, a cidade modernista
inaugurada havia pouco no distante Brasil. Depois que
o rapaz desceu do carro, as filhas de Lucio
comentaram, surpresas: “Mas papai, você nem ao
menos disse que o plano da cidade foi seu!”


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Anos antes, Carlos Drummond
de Andrade escreveu uma
crônica sobre o convívio de
doze anos com o colega de
repartição Lucio Costa - os dois
trabalhavam no Iphan.

Falavam-se pouco, admiravamse muito. Quando cruzavam no
corredor, às vezes conversavam;
quase sempre, não.
Lucio Costa mantinha-se calado e Drummond respeitava
esse silêncio “como se respeita o silêncio das igrejas”.


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O genial arquiteto jamais demonstrou nenhuma ânsia de
sucesso, não alimentando “essas preocupações de
figurar como evidência pessoal. Nunca tive essa
ambição, de querer estar em evidência. Se tive alguma
evidência, é apesar de mim e não por culpa minha”.
O seu maior legado foi uma vida repleta de amor,
respeito, generosidade, carinho, e senso de humor.

Numa das suas últimas entrevistas pediram que ele se
definisse. A sua resposta foi simplesmente:
“um homem bom”.
Como se afirmasse que tudo mais, - títulos e troféus,
condecorações e honrarias -, acaba passando...


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O meu amigo padecia de indignidade moral contra
tudo que fere a beleza da dignidade humana. Era a
pessoa mais delicada que já conheci. Era a delicadeza
em toda a sua riqueza e profundidade. O respeito que
tinha por si próprio e pelo seu trabalho lhe advinha do
superior respeito pelo ser humano. Por toda e qualquer
pessoa que conhecia.
Thiago de Mello
poeta amazonense


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Lucio Costa pertenceu a uma geração de
intelectuais que vislumbraram o Brasil como
nação desenvolvida.
Encantados com suas potencialidades, e
conscientes do imenso desfio, contribuíram, cada
qual, juntando o melhor de suas habilidades, para
um projeto de país.

Homem de seu tempo por excelência, Lucio Costa, com
seu legado, provoca-nos lembrando a nossa
capacidade de encontrar soluções ontem,
hoje e sempre.


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O legado deixado por Lucio Costa testemunha
sua imensa, atuante e definitiva fé no Brasil:

“Um país precursor, acho que vai ser, dará
o seu recado no tempo certo, porque não

tem vocação para a mediocridade.”


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O mar de Brasília é o céu.
Lucio Costa


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A organização ‘Casa de Lucio Costa’ cuida do
acervo e da memória do arquiteto e urbanista.
site: www.casadeluciocosta.org


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Formatação:
[email protected]


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