Transcript A influência afro na produção musical do Brasil, do século XVI a nossos dias Prof.
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A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 2
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 3
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 4
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 5
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 6
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 7
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 8
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 9
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 10
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 11
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 12
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 13
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 14
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 15
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 16
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 17
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 18
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 19
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 20
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 21
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 22
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 23
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 24
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 25
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 26
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 27
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 28
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 29
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 30
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 31
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 32
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 33
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 34
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 35
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 36
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 37
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 38
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 39
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
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A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 41
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 42
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 43
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 44
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 45
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 46
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 47
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 48
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 49
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
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A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 51
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 52
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 53
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 54
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 55
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 56
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 57
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 58
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 59
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 60
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 61
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 62
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 63
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 64
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 65
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 66
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 67
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 68
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 69
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 70
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 71
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 72
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 73
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 74
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 75
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 76
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 77
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 78
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 79
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
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A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 81
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 82
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 83
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 84
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 85
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 86
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 87
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 88
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 89
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
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A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 91
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 92
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 93
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 94
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 95
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 96
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 97
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 98
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 99
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
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A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 101
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 102
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 103
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 104
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 105
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 106
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 107
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 108
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 109
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 110
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 111
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 2
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 3
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 4
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 5
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 6
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 7
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 8
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 9
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 10
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 11
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 12
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 13
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 14
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 15
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 16
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 17
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 18
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 19
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
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A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 21
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 22
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 23
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 24
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 25
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 26
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 27
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 28
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 29
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 30
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 31
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 32
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 33
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 34
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 35
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 36
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 37
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 38
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 39
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
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A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 41
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 42
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 43
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 44
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 45
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 46
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 47
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 48
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 49
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 50
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 51
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 52
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 53
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 54
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 55
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 56
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 57
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 58
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 59
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 60
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 61
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 62
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 63
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 64
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 65
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 66
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 67
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 68
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 69
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 70
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 71
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 72
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 73
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 74
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 75
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 76
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 77
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 78
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 79
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
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A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 81
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 82
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 83
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 84
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 85
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 86
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 87
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 88
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 89
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
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A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 91
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 92
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 93
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 94
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 95
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 96
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 97
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 98
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 99
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
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A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 101
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 102
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 103
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 104
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 105
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 106
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 107
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 108
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 109
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 110
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)
Slide 111
A influência afro na produção
musical do Brasil, do século XVI
a nossos dias
Prof. Dr. Marcos Câmara de Castro
Departamento de Música
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Campus de Ribeirão Preto
Projeto Pedagógico Cultural
Consciência Negra o Ano Inteiro
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretarias Municipais da Cultura e da
Educação
Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
9 de novembro de 2009, 19h30
Faixa 1:
Culturas Brasileiras
(cf. RIBEIRO, 1995)
• Negro: terras frescas e férteis do nordeste
(cana)
• Caipira: mamelucos paulistas do sudeste (caça,
ouro e diamantes, café e indústria)
• Sertaneja: gado no nordeste árido (sertão) e
cerrados do centro-oeste
• Cabocla: borracha e ervas na Amazônia
• Sulina: gado por gaúchos e gringos (Açorianos,
alemães e italianos)
Ocupação do território
• Capitanias de São Vicente e
Pernambuco, anos 30 do século
XVI
• 1538: primeiros escravos
Portugueses
• Técnicas de cultivo da cana, fabricação do
melaço e e refino do açúcar nas ilhas do
Atlântico, com mão-de-obra africana
• Herdeiros das técnicas de navegação dos
árabes
• Portugueses: “Euro-africanos” no plano
cultural e racial, afeitos ao convívio com
povos morenos
Açúcar: de especiaria a produto
comercial comum
• Cidades-porto: Olinda, Recife e Salvador
• América=assentamento; África=provedora
de força de trabalho e Europa=consumidor
privilegiado e sócio principal do negócio
• Fórmula nova de organização da
produção: fazenda
• Senhor de engenho: posição dominadora;
ganha uma autoridade que a própria
nobreza jamais tivera no reino
• Trabalho escravo: onerava em 70% os
resultados da exportação
• Estrutura socioeconômica arcaica e précapitalista, totalmente distinta da feudal
• Ordenação econômica segundo solicitações
externas, servindo não a quem produz, mas ao
enriquecimento do proprietário e ao
abastecimento do mercado mundial.
• Assim, a música não é solicitada.
Duas categorias de escravos:
• “Ladinos”, que já falavam a língua e
assumiam a religião do branco, além de
hábeis nos serviços cotidianos
• Os recém-chegados da África, o “negronovo”, conhecidos também como
“caramutanjes”
• Oriundos de nações africanas distintas, os
quais se juntavam ainda entre “ladinos” no
mesmo local de trabalho
• Dificultando o entrosamento imediato e
facilitando o controle efetuado pelos
brancos.
“Verdade histórica”
• “As classes dominantes , por sua vez, têm entre
suas características mais essenciais – e isto
vale para todos os períodos da história - a
elaboração de documentos mentirosos, sempre
de acordo com seus interesses”.
• “A ausência de vozes contrárias facilita ainda
mais a incorporação destes relatos
tendenciosos à crônica, que acaba se
estabelecendo como “verdade histórica”
(Ricciardi, 2000).
Batuque
Debret: Batuque
Kalimba
Origem
• Primeiros tempos do tráfico negreiro
• Participa qualquer indivíduo aqui nascido,
de qualquer origem étnica.
• Baterias de escolas de samba do
Carnaval Carioca remontam àqueles
ritmos – provavelmente mais lentos,
marcados com palmas e estalos de
língua.
Sotto Voce (voz baixa)
• Aqueles batuques continham enormes
diferenças não só rítmicas como também
timbrísticas, se comparados com os de
hoje.
• Quase a cappella ou até sotto voce
• Talvez a mais antiga proibição das
manifestações de dança e música dos negros
remonte à metrópole, por ocasião de um Alvará
datado em 28 de agosto de 1559, “sob o cetro
de D. Sebastião”, de acordo com pesquisa de
Mozart de Araújo.
• Parecia ser difícil o efetivo cumprimento de tal
proibição, tanto que a mesma reaparece, tantas
outras vezes.
• Dom Tomás de Melo (em 1796) respondia que
os negros “não devem ser privados de
semelhante função porque para eles é o maior
gosto que podem ter em todos os dias de sua
escravidão”
• As famílias permitiam nos seus engenhos e
fazendas, contanto que fosse lá na senzala,
porque, como ficou na cantiga tradicional:
“Batuque na Cozinha, Sinhá num qué”.
(Andrade, 1989 p.54).
Faixa 2: Lundu das mulatinhas
• Outra dança negra muito conhecida é o “lundu”,
também dançada pelos portugueses, ao som da
guitarra, por um ou mais pares.
• Talvez o “fandango” ou o “bolero” dos
espanhóis, não passam de uma imitação
aperfeiçoada dessa dança (Rugendas, 1998
p.157).
• A Umbigada, que parece exprimir o ato sexual,
tem muita semelhança com o batuque etiópico,
e talvez tenha passado dos negros para os
indígenas americanos (Spix e Martius, 1981 pp.
228-230).
O ciclo da mineração
(1733-1848)
• A corrida para o ouro das Geraes, naquele
século, atraiu mais de seiscentos mil
portugueses do gênero masculino.
• A escassez de mulheres estimula a mestiçagem
com a índia e com a africana, em grande escala.
• Permitiu decuplicar a população colonial, pois,
além do fluxo migratório lusitano, foi "importado“
mais de um milhão de africanos, como
escravos, para as Geraes.
• No caso dos negros, ao longo do século
XVIII, tentava-se permitir as
manifestações culturais – como dança e
música – apenas quando incorporadas
aos festejos oficiais, o “folguedo honesto”,
ou seja, aqueles “integrados à
mentalidade e às regras dos
colonizadores brancos”.
Manuel Dias de Oliveira
(Comarca do Rio das Mortes?, 1734/5 –
Vila de São José, 1813)
• Mestre compositor de música na Comarca do Rio das
Mortes, capitão de pardos libertos no Arraial da Laje e
calígrafo.
• “Obra católica, cantada em latim, materiais musicais do
pré-classicismo e da transição do barroco para o
clássico, e poucas referências concretas trazia dos
grandes mestres europeus”
• “Periferia da periferia da Europa, (...) a qualidade
artística de nosso repertório musical colonial reflete, de
certo modo, esta fatalidade. (cf. Ricciardi, 2000)
• “Melodia sinuosa e errática [que] retrata um estado de
desespero e abandono” no estilo andaluz (saetas)” (cf.
Dottori, 1992) – [faixa 3]
Cultura Negra
RUGENDAS (missão científica do Barão de Langsdorff, 18211825)
Rugendas
• Reúnem alguns negros e logo se ouve a batida
cadenciada das mãos: é o sinal de chamada e de
provocação à dança.
• O batuque é dirigido por um figurante; consiste em
certos movimentos do corpo que talvez pareçam
demasiado expressivos; são principalmente as ancas
que se agitam; enquanto o dançarino faz estalar a língua
e os dedos, acompanhando um canto monótono, os
outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão...
• Acontece muitas vezes que os negros dançam sem
parar noites inteiras, escolhendo, por isso, de
preferência, os sábados e as vésperas dos dias santos.
Fontes/Tranferências
• Transmissão oral (folclore)
• Projetos de preservação: MPF
(1938), FUNARTE; Centros
Culturais; universidades etc
• Música erudita*
• MPB
Ritmos negros dramáticos e
coreográficos trazidos para a
América
• Trazidos para a América misturados, sem os
laços históricos locais que davam unidade à sua
cultura, baseada na visão ritualístico-religiosa
comum da vida comunitária
• Generalizados como Batuques
• Novas criações (reconstruções): negroamericano, negro-cubano, caribenho, afrobrasileiro
• Umbigada: herança africana dos batuques:
lundu (ou baiano), coco, bambelô, tambor de
crioula, jongo, caxambu, bate-baú, batuque,
batucada e partido-alto, carimbó (lambada)
Característica africana
• Momentos particulares: nascimento,
puberdade, casamento, morte;
• Comunitários: cataclismas, lutas de
guerras, vitórias, caçadas,
confraternizações
• Canções propiciatórias: canções trabalho,
para obter chuva, para a terra não secar,
para a semente crescer, colheita etc
• Sonoridade e gestual negro-africano
marcado pelo ritmo
• Tambores, movimentos corporais
coreográficos, cantos coletivos (solo e
coro): ritos de caráter religioso
• Ligação simbólica entre a realidade e sua
projeção sobrenatural
Influências
• Enriquecimento da língua brasileira
através de sonoridades e flexões de
sintaxe e dicção (linha melódica)
• Congos e maracatus com palavras
africanas
• “Dilúvio de instrumentos musicais” (M de
A): ganzá, cuíca, atabaque
• Lundu: “dança indecente”, “jeito lascivo”
• Maxixe, samba, habanera, tango, foxtrote
• A associação do maxixe com o tango
ocorria no Brasil como uma tentativa de
escapar dos julgamentos que o
condenavam – toda a musicalidade
considerada africana no Brasil – como
lascivo e de baixa qualidade.
• O maxixe – uma dança e um gênero musical – teria
surgido nos bailes da chamada “pequena África do Rio
de Janeiro”, por volta da década de 1870, tendo se
vulgarizado em princípios do século XX.
• O maxixe provocou protestos moralistas por parte de
autoridades civis e eclesiásticas devido a sua volúpia e
lascívia, pois os casais requebravam-se, dançando
colados um ao outro todo o tempo.
• Seria, no entanto, levado a Paris, no começo do século
XX, por Duque, membro de uma família baiana
abastada que se celebrizaria juntamente com suas
partenaires nos requebros de la matchiche, a chamada
“dança nacional” do Brasil.
Música: derivativo principal dos
africanos [MPF – faixa 4]
• Os brancos, cuja vida não tinha onde
gastar dinheiro, mostravam a riqueza
pelos número de escravos
• Os que sobravam em casa eram
mandados para ganhar dinheiro para seus
patrões, transportar coisas (cantando)
• Especializavam-se na música nas horas
vagas
• “Quem quiser comprar um escravo (...)
que sabe tocar piano e marimba e alguma
coisa de música e com princípio de
alfaiate” (apud. M de A)
• “Cabra tão bravo no violão que deixa
longe qualquer guitarrista europeu” (ibid.)
• Xisto Baía: maior compositor mulato de
modinhas do séc. XIX
Urbanização: “Barbeiro Músico”
• “Escuros filhos da harmonia”
• Contribuição dos negros das cidades
(alforriados) “dolência penetrada de
sensualidade”
• Ascenção social: abdicação de parte da
originalidade e identidade em favor das
expectativas de gosto de quem pagava o
serviço
• Bossa Nova: desvinculação entre a classe
média e a música do povo
Faixa 5
• Marimba é o nome do Berimbau no norte
do Brasil
• Marinhêro gravado no Maranhão – dança
carimbó da Amazônia
Berimbau (Angola)
Faixa 6: Ziriguidum do além
Faixa 7: Berimbrown
Faixa 8: Concerto para
computador e orquestra (2000)
Rodolfo Coelho de Souza
(USP/Ribeirão Preto)
foto: Carla Vannucchi
Faixa 9: Samba (MPF-20)
• “Dança nacional” que penetrou todas as
regiões do país, inclusive o sertão e
adquiriu estilos regionais;
• Paraíba, com viola sertaneja, descendente
da viola de Braga (caipira)
Marlos NOBRE (1939)
Nobre com Dutilleux
Agô Lonã, opus 16, 1964
• Faixa 10:
• Baseado no folclore bahiano sur le folklore
de Bahia recolhido por Roquete Pinto
• BACHIANA CD 109.136, Cia Bachiana
Brasileira, regência Ricardo ROCHA, 1994
Fructuoso VIANNA (1896-1976)
• Faixa 11:
Mme. Cortot. Cortot, Guarnieri,
Souza-Lima e Vianna
Camargo Guarnieri (1907-1993)
• Faixa 12: Dança Brasileira: Orquestra
Filarmônica de New York, direção Leonard
Bernstein, CBS, 1976
Avec Koechlin à Paris, 1939
Faixa 13: MODINHA
• Com a progressiva ascensão da burguesia e,
consequentemente, com a mudança de hábitos
da nobreza, surgiu uma prática musical
doméstica ou de salão destinada a um
entretenimento mais leve e menos erudito que
aquele proporcionado pela ópera e pela música
religiosa.
• Assim, a música doméstica urbana, praticada
por amigos e familiares em festas ou momentos
de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de
restrito apelo intelectual.
• Na segunda metade do séc. XVIII
desenvolveu-se, inicialmente em Portugal
e posteriormente no Brasil, um estilo
peculiar de canção camerística, que
acabou sendo denominada modinha.
• A origem dessa designação está ligada à
moda, que foi, em todo o séc. XVIII,
palavra portuguesa para qualquer tipo de
canção camerística a uma ou mais vozes,
acompanhada por instrumentos.
• Já no século XX, ao repudiar as doutrinas e práticas
racistas européias, o Brasil assumiu ser mestiço.
• A ideologização de uma coexistência sem atritos étnicos
conduziu o discurso a agregar às qualidades do
brasileiro a de não ter preconceitos.
• O povo nacional, que minimiza e cancela diferenças
religiosas, regionais, culturais, étnicas, é especial nessa
dimensão.
• O orgulho de ser mestiço o leva a assimilar, sem
resistências culturais, as contribuições dos outros povos.
• O Estado brasileiro não vivenciou nenhum
desastre coletivo. O conservadorismo
inicial de sua formação será uma
constante ao longo de sua evolução.
• O Brasil conseguiu abolir a escravidão
sem nenhum conflito social relevante;
• Proclamou a República o herdeiro da
coroa portuguesa Pedro I
• Os pobres da cidade foram expelidos para
subúrbios distantes e para os morros e
pântanos sem infra-estrutura, dando
origem às faveIas cariocas.
• Tudo foi feito para que o Rio fosse "a
Paris dos trópicos”.
O cartão postal
A favela
Faixa 14: “Lá tem Jesus, que está
de costas...”
(Chico Buarque)
Subúrbio, de 2006
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia
Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...
• A música popular brasileira tem sido um
espaço privilegiado de discussão das
principais questões do país.
• O Estado tem sido um de seus temas
centrais.
• O Brasil plasmou uma economia nacional
muito antes de ser uma nação. Prescindiu
de um discurso nacionalista e pôde
manter à sombra a idéia de povo.
• Posteriormente, isso facilitou a
incorporação e a assimilação do caldo
cultural popular, quando descobriu que
havia um povo no Brasil.
Faixa 15: Samba de Levy
• A cultura no Brasil sempre refutou a idéia
de exportar exotismos superficiais; na
produção artística, o conteúdo pode ser
local, mas a forma sempre procura estar
sintonizada com o tempo do mundo.
Fascinação pela África
• A vanguarda, particularmente o
surrealismo, mantinha um relacionamento
próximo com a antropologia e tinha a
África como universo privilegiado de
interesse.
• Em termos musicais, o jazz estava no
centro deste interesse, sendo considerado
o filho prestigioso de uma África negra
generalizada, nascido nos Estados
Unidos.
• Esta fascinação pela África e por manifestações
culturais tidas como de origem africana,
alcançou não só a vanguarda artística e áreas
da antropologia, mas também consideráveis
contingentes da classe média parisiense que,
emulando a sensibilidade da vanguarda,
formavam um público cada vez maior, ávido por
experimentar, na noite, todos os tipos de
exotismo, vivenciando-os como viagens
simbólicas.
• Busca intensa pela vivência do exótico na noite,
avaliando de modo positivo a forte presença de
negros na cidade – africanos, norte-americanos,
latino-americanos.
Faixa 16: Pelo telefone
• Em 1922, Os Batutas passaram seis
meses em Paris, tocando em casas
noturnas e festas.
• O grupo era dirigido por Pixinguinha e
incluía Donga, autor da música de Pelo
Telefone.
Pelo Telefone
• Denúncia cínica e brincalhona do conluio
entre a ordem e a desordem, o que
corrobora a proposição de Antônio
Candido sobre a presença da ética da
“dialética da malandragem” na sociedade
brasileira.
• O chefe de polícia/ Pelo telefone/Mandou
avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/
Para se jogar…/ Ai, ai, ai/ O chefe gosta
da roleta/ Ó maninha/ Ai, ai ai/ Ninguém
mais fica forreta/ É maninha/ Chefe
Aurelino/ Sinhô, sinhô/ É bom menino/
Sinhô, sinhô/ Pra se jogar/ Sinhô, sinhô/
De todo jeito/ Sinhô, sinhô/ O bacará/
Sinhô, sinhô/ O pinguelim/ Sinhô, sinhô/
Tudo é assim
“Pelo telefone”: a indústria
fonográfica amplifica a voz do
samba
• Em 1916 foi feita a gravação do samba Pelo Telefone. A canção
saiu pela Casa Édison, na voz do cantor Baiano, no final de 1916,
com a finalidade de lançá-la para o carnaval que se aproximava.
• Foi registrada na Biblioteca Nacional, em dezembro daquele
mesmo ano, como samba carnavalesco, com música de autoria de
Donga e letra do jornalista Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios).
• O retumbante sucesso do Pelo Telefone fez dele um divisor de
águas na música popular brasileira.
• O tema central da canção é certamente um dos fatores que mais
concorreram para essa grande repercussão. Trata-se de uma sátira
à cumplicidade entre um delegado da polícia e o jogo ilícito, cuja
denúncia, aliás, era recorrente na cidade do Rio de Janeiro.
A versão registrada é assim:
• O chefe de folia/ Pelo telefone/ Manda avisar/ Que com alegria/ Não
se questione/ Para se brincar/ Ai, ai, ai/ É deixar mágoas pra trás/ É
rapaz/ Ai, ai ai,/ Fica triste se és capaz/ E verás/ Tomara que tu
apanhes/ Pra não tornar a fazer isso/ Tirar amores dos outros/
Depois fazer seu feitiço/ Ai, ai, rolinha/ Sinhô, sinhô/ Se embaraçou/
Sinhô, sinhô/ É que a avezinha/ Sinhô, sinhô/ Nunca sambou/
Sinhô, sinhô/ Porque esse samba/ Sinhô, sinhô/ De arrepiar/ Sinhô,
sinhô/ Põe perna bamba/ Sinhô, sinhô/ Mas faz gozar/ Sinhô, sinhô/
O “Peru” me disse/ Se o “Morcego” visse/ Eu fazer tolice/Que eu
então saísse/Dessa esquisitice/De disse que não disse/ Ai, ai, ai/ Aí
está o canto ideal/ Triunfal/ Viva o nosso Carnaval/ Sem rival/ Se
quem tira amor dos outros/ Por Deus fosse castigado/ O mundo
estava vazio/ E o inferno só habitado/ Queres ou não/ Sinhô, sinhô/
Vir pro cordão/ Sinhô, sinhô/ Do coração/ Sinhô, sinhô/ Por este
samba
Tia Ciata
• É aceito pelos estudiosos da música popular que a
canção teria sido composta nas rodas de samba da
casa da tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba
da “pequena África” do Rio de Janeiro em princípios do
século.
• Ciata era sacerdotisa do candomblé de João Alabá e em
sua casa realizava também cerimônias religiosas e
lúdicas.
• Além disso, era quituteira e ainda costurava fantasias de
baianas para o carnaval e o teatro de revistas.
• A atividade profissional do marido de Ciata, a crescente
ascendência que ela própria foi ganhando no meio
negro, além da presença de pessoas influentes nas
festas, garantem uma certa “imunidade” ao local que
marcaria a memória cultural negra da cidade.
“Samba é como passarinho, é de
quem pegar”
• Os protestos dos co-autores de Pelo Telefone, bem como a
apropriação indevida da música por Donga, testemunham uma nova
ética que se impunha aos músicos populares e a que o sambista
Sinhô (o mesmo, aliás, cuja co-autoria em Pelo telefone havia sido
omitida) definiria de forma lírica: “samba é como passarinho, é de
quem pegar”.
• O nascente e promissor mercado fonográfico, trazido pelos novos
ventos da modernidade, introduziu mudanças. A antiga criação
coletiva e improvisada das rodas de partido alto tinha que conviver
agora com a projeção de valores individuais que a
profissionalização do samba possibilitava.
• As acusações mútuas de plágios eram constantes. O próprio Sinhô
foi por mais de uma vez acusado de plagiário por Hilário Jovino, um
de seus parceiros em Pelo telefone, e Heitor dos Prazeres, que,
gozando da alcunha de “rei do samba” dedicada ao grande
compositor, escreveu uma canção intitulada Rei dos Meus Sambas.
“Les Batutas” e Duque, 1922. Em pé: Pixinguinha, José Alves de Lima,
José Monteiro, Sizenando Santos “Feniano” e
Duque. Sentados: China, Nelson dos Santos Alves e Donga.
Os Oito Batutas, 1922 (Bastos, 2005)
• Desde sua fundação Os Oito Batutas
geraram polêmica. O fato de serem em
sua maioria negros e o tipo de música que
faziam eram motivos para controvérsia.
• Identificá-los à genuína musicalidade
nacional, significava para muitos uma
desqualificação em termos de uma
pretensa universalidade – equacionada
com o cânone da música clássicoromântica ocidental – e um veredicto de
provincianismo.
• Além disso, a negritude era vista como
sinal de inferioridade sociocultural.
• Após a viagem a Paris, essas questões
tenderam a ser absorvidas positivamente,
e o choro foi assumindo um papel central
em nossa cultura até se consagrar,
vinculado ao samba, como o símbolo da
música popular brasileira, ao tempo em
que se tornava compatível com o jazz,
nova linguagem musical do sistema
mundial.
• Pixinguinha era o apelido do compositor,
arranjador, regente, flautista e saxofonista
Alfredo da Rocha Viana Filho (1897-1973)
• Donga, o apelido do compositor, violonista e
banjoísta Ernesto dos Santos (1890-1974),
autor da música de Pelo telefone (1917).
• Talvez Monteiro seja o autor (conhecido como
Zé Boiadêro) do tango brasileiro O boi no
telhado, lançado no Rio de Janeiro durante o
carnaval de 1918, música que deu nome ao Le
boeuf sur le toit, de Darius Milhaud
• A viagem é um episódio pouco conhecido da
história da música popular brasileira, com fortes
conseqüências para a carreira de Pixinguinha e
o futuro dessa música.
• Consagração de Pixinguinha, apontando para a
necessidade de compreender a música popular
como linguagem estratégica do sistema de
relações dos Estados-nações modernos, com
nexos locais, regionais, nacionais e globais.
• Aí, as músicas erudita, folclórica e popular são
vistas como universos em comunicação e a
fonografia como processo constitutivo de todas.
• O esforço conjunto das elites e do governo oligárquico
da Primeira República ia no sentido de contenção das
assim denominadas “classes perigosas”, especialmente
no tocante à sua herança africana.
• Apesar das tentativas de reprimi-la, a presença negra
foi, pouco a pouco, se fazendo sentir na cidade sob as
formas culturais sensíveis da música, da festa, do canto,
da dança.
• Havia a popular Festa da Penha, a festa do Carnaval, as
rodas de samba na casa das “tias” baianas (em especial
a da “tia” Ciata), as sedes das sociedades
carnavalescas (ranchos e cordões), os salões de bailes
populares e o teatro de revistas, dentre outros
divertimentos.
As tradições culturais negras:
entre a repressão e a exaltação
• No período que medeia entre o final do século XIX e as
primeiras três décadas do século XX, observa-se um
enfoque ambivalente por parte de literatos, intelectuais e
políticos brasileiros em relação à cultura negra.
Deparamos com uma condenação de práticas
consideradas “bárbaras” e, simultaneamente, com um
enaltecimento das mesmas, exaltadas como produtos
da “originalidade nacional”.
• Por um lado, a cultura negra é apreendida pelo critério
da falta: as danças e os ritmos negros não têm “estética
nem arte”, não possuem “tom nem som” e tampouco
gozam de “espírito e gosto”, os instrumentos musicais
dos negros são “rudes”, “bárbaros” e fazem uma
“algazarra infernal”.
• Diante do suposto perigo de descontrole
social provocado pelas hordas de negros
“bárbaros”, recém-egressos da
escravidão, a República vacilou em
incorporar o negro como integrante do
corpo político da nação.
Capoeira
• A capoeira, ao mesmo tempo em que é
criminalizada pelo Código Penal de 1890,
surge uma representação positiva dessa
luta que deplora os que vêem nela apenas
o que tem de “mau e bárbaro” e a reclama
como “nossa ginástica nacional, herança
da mestiçagem no conflito de raças”
• Naquele momento, os critérios darwinistas
sociais eram um empecilho à plena
incorporação do negro à esfera pública.
• Porém, em contrapartida, as tradições
culturais negras, preteridas como sinal de
“decadência”, eram já parte constituinte da
expressão do nacional.
A pouco estudada metamorfose do
samba de música negra em música
nacional
• O samba carioca, do modo como o conhecemos
atualmente, consagrado de norte a sul do país (e
mesmo no exterior) como o ritmo nacional por
excelência, na verdade parece ter se constituído
enquanto tal muito recentemente.
• Entretanto, ainda que pensemos no samba como um
símbolo nacional reconhecido no nível interno, é
duvidoso que tenha conquistado plena aceitação.
• Além do mais, esse processo de legitimação, ainda em
curso, é ambíguo, como o é o lugar do negro (ou das
manifestações culturais negras) na sociedade brasileira,
oscilando ainda entre a exaltação e a detração.
• Processo vinculado ao reconhecimento
social do negro no Brasil
• Legitimação do samba carioca durante as
três primeiras décadas do século XX.
• Esse ritmo deixa os redutos negros e vai
se firmando como nacional.
• A conquista da legitimidade do samba foi
(e ainda o é) árdua e carregada de
conflitos.
• E isso porque não se pode desvinculá-la
do processo de reconhecimento social do
negro no Brasil.
• No final do século XIX, a abolição da
escravidão pôs fim às antigas relações
senhoriais de domínio.
• Com a ampliação da cidadania para os
ex-escravos, a temperatura da tensão
racial entre negros e brancos tende a se
elevar.
Efeito Montesquieu?
• Não se pode ignorar que, desde as últimas décadas do
século XIX até o princípio do século XX, predominava
um modelo racial de análise que via na miscigenação
um sinal de degeneração.
• Um caminho para o aperfeiçoamento da raça negra foi
apontado pela chamada “teoria do branqueamento”.
Adeptos do darwinismo social, seus propositores
propugnarão pelo branqueamento da população
brasileira a ser obtido através de um processo gradativo
de seleção natural e social, que conduziria a uma
“mestiçagem eugênica”, isto é, à depuração das
características negras dos mestiços.
• Parece portanto que, tanto no caso do
samba, quanto no da capoeira e das
religiões afro-brasileiras, não há oposição
absoluta entre os personagens da trama.
• Cumplicidade entre os círculos eruditos e
populares: domesticação da herança
negra e africanização da herança branca.
• O samba e o candomblé, dois itens
originalmente elaborados pelos negros
sob dominação, teriam sido
posteriormente apropriados pelos
produtores de símbolos nacionais e da
cultura de massas.
Rio de Janeiro (1920): uma
profusão de ritmos nacionais e
internacionais
• Maxixe, tango, tango argentino, tango
carnavalesco, toada sertaneja, batuque,
embolada, valsa, mazurca, xote, samba,
samba carnavalesco, lundu, corta-jaca,
marcha carnavalesca, charleston, one
step, fox-trot, rag-time, cateretê, sambacanção, choro, choromodinha, chorocanção, modinha, toada, marcha, marcharancho, dentre outros.
• A visita oficial do casal real da Bélgica ao Rio de Janeiro, em 1920,
por exemplo, é um episódio que nos revela como esse ritmo servia
tanto para que as elites expressassem a imagem que queriam
construir para o Brasil, como também para que as classes
populares o fizessem a sua maneira.
• Assim, supostamente por evocarem a brasilidade com sua música,
os 8 Batutas serão convidados a apresentar-se para tocar durante o
almoço oferecido ao rei Albert e à rainha Elizabeth da Bélgica no
palácio presidencial.
• Mas os Batutas também aproveitaram o mesmo evento para dar
suas arranhadas naquela imagem idílica do Brasil das elites. Em
1921, montaram a revista O que o Rei não Viu.
• Seu título troçava com a visita do par real belga ao Rio de Janeiro,
pois naquela ocasião as autoridades, com a intenção de causar
uma boa impressão, empenharam-se na limpeza urbana e,
arbitrariamente, efetuaram inúmeras prisões preventivas
A Mulata Brasileira
• No exterior ia aos poucos se difundindo a
imagem da mulata brasileira.
• A letra do samba alude à mulata, companheira
na folia carnavalesca: Vem, mulata ter comigo/
Vamos ver o Carnaval/ Eu quero gozar contigo/
Esta festa sem rival/ Vem cá, vem cá, vem cá/
meu bem/ Como eu não há, não há/ ninguém/
Pula, pula, perereca/ E segura esta boneca/
Vem cá, vem cá, vem cá (bis)/Olá/ Segura o
cabrito/O boi é bem manso/Mulata cutuba (bis)/
Agüenta o balanço.
• Na revista Forrobodó, a “mulata” é cantada
como uma mulher constantemente assediada,
nossa “frutinha nacional”, mas que podia ser
fatal se ingerida:
• Sou mulata brasileira/ feiticeira/ frutinha
nacional/ Sou perigosa e matreira/ sou arteira/
como um pecado mortal /[...]/ Tenho sempre uns
renitente/ pela frente/ mas em todos dei a lata/
Nesta terra, francamente/ minha gente/ não se
pode ser mulata!
• Mas, além de servir para expressar a
representação de um símbolo nacional popular,
o tipo da “mulata” servia também para abordar
um outro tema corriqueiro no cotidiano da
cidade: as relações afetivo-sexuais interétnicas.
• Dessa forma, em várias composições a
mestiçagem racial, principalmente entre o
clássico par mulata-português, é tematizada
através da figura da mulata.
• Mas “mulata” podia ser também a sedutora favela, como
no samba Minha Favela (Sá Pereira e Marques Porto),
interpretado também por Araci Cortes na revista Pensão
Meira Lima, de 1930.
• Nessa bela composição, a mesma favela que
envergonhava o “Rio da Regeneração” era motivo de
orgulho para o “Rio das malocas”: Minha doce
companheira/ És mulata, és brasileira/ És minha
fascinação!/ Minha favela/ Tens na luz pálida, amena/
Todo cheiro da morena/ Que embriaga o coração.
• Além disso, também a cor da “mulata” e sua brasilidade
podiam servir como metáfora política para expressar a
alternância de presidentes paulistas e mineiros durante
a Primeira República, como no maxixe Café com Leite
(Freire Júnior), de 1926:
• Nosso mestre Cuca movimentou/ O Brasil
inteiro/ Pois cada um Estado pra cá
mandou/ O seu cozinheiro/ Mexeu-se a
panela, fez-se a comida/ Com perfeição/
Assim foi a bóia bem escolhida/ Com
perfeição/ Café paulista/ Leite mineiro
(bis)/ Nacionalista/ Bem brasileiro/ É preto
com branco café com leite/ Cor
democrata/ É preto com branco meu bem
aceite/ Cor da mulata/Oleite é bem
grosso, o café é forte/ Agüenta a mão/ As
novas comidas têm que dar sorte/ Na
situação.
• Vemos assim que, nesse registro popular, o
tema da mestiçagem é protagonizado pela
imagem polissêmica da mulata. Mulher sedutora
e objeto do desejo de negros e brancos, ela é
também representante da brasilidade, nossa
“fruta nacional”, da política nacional do café com
leite, ao mesmo tempo que é identificada com o
local de moradia, a “favela mulata”.
• Assim, lida nesta chave, a imagem da
mestiçagem é difusa e a “mulata” parece
funcionar como uma categoria explicativa para
uma mestiçagem que é vivenciada no nível das
relações pessoais do cotidiano.
• Porém, apesar da indefinição do termo, o
samba, mais precisamente o samba
carioca, surgido no caldeirão de ritmos
presentes naquele começo de século, vai
se firmando enquanto tal ao longo da
década de 20 e, nas duas décadas
posteriores, se tornará o mais legítimo
representante da música popular brasileira
para fora e para dentro do país.
• Há também um outro movimento de fora para
dentro que aprecia as manifestações populares
do Brasil, em especial aquelas de raízes negras.
• Isso ocorre, quer por meio da vinda para o
Brasil de artistas estrangeiros, ávidos por
conhecê-las, quer através de brasileiros
(incluindo-se aí os artistas) que parecem ter, em
suas viagens ao exterior, uma revelação sobre
um Brasil que lhes era praticamente
desconhecido.
• Na privacidade das casas das tias baianas
– como a da tia Ciata –, no recato da
mansão dos Guinle ou mesmo nos jardins
do palácio presidencial do Catete tinha
lugar uma interseção desses dois
mundos, o erudito e o popular, que
certamente dinamizou e formou o samba
que explodiria nas décadas seguintes.
• Finalmente, talvez possamos dizer que a
incorporação da herança negra à esfera
pública correspondeu a uma opção
política feita pelo governo Vargas, agora
em um novo contexto histórico no qual o
velho fantasma da “ressurreição da
barbaria” já não rondava mais a elegante
Avenida Central.
DANÇA DE NEGRO
• Segundo Luciano Gallet (Estudos de folclore,
1934, p. 61), várias foram as “danças negras
implantadas no Brasil”. Delas dá o autor uma
lista (17 danças), entre as quais o cataretê, o
caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o
candomblé, o coco de zambê e o velho lundu,
referindo, quase sempre, a localização das
mesmas: Bahia, Minas, Rio, São Paulo,
Pernambuco, Estado do Rio, Rio Grande do
Norte.
• "A grande maioria dos pesquisadores concorda
que a primeira vez em que a palavra "samba"
apareceu em letra de fôrma, na imprensa
brasileira, foi no jornal satírico O Carapuceiro,
editado no Recife entre 1832 e 1842, por um
religioso, o padre Lopes Gama.
• Os escravos chamavam sua dança de semba,
que significaria "umbigada" ou "união do baixo
ventre", referindo-se àquilo que no Brasil era
designado, no século XVI e começo do século
XVII, como Batuque, englobando todos os
ritmos e danças originários da África.
• Sob nome mais diversos, ganharam
estilos e andamentos próprios, sotaques
regionais, assumiram caráter romântico,
jocoso, boêmio, patriótico.
• Centraram-se em instrumentos de sons
diferentes, alguns preferindo as cordas
dos violões, outros os foles das sanfonas,
outros mais, a marcação fundamental dos
couros.
O TERMO “SAMBA”:
•
Possivelmente o termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem africana, provavelmente do Congo ou Angola, donde vieram a maior parte
dos escravos para o Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi
publicada por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na
revista pernambucana “Carapuceiro”, não se referindo ao gênero musical, mas sim a
um tipo de folguedo popular de negros da época. Segundo o pesquisador Hiram
Araújo, na Bahia, ao longo dos séculos, as festas de danças dos negros escravos
eram chamadas de “Samba”. Com o passar dos anos, a dança “Samba”, sempre
conduzida por diversos tipos de batuques, assumiu características próprias em cada
estado, não só pela diversidade das tribos de escravos, como pela peculariedade da
região em que foram assentados. Entre os tipos de danças populares mais
conhecidas, destacamos Samba-lenço, Samba-rural, Tiririca, Miudinho e Jongo (São
Paulo); Tambor-de-crioula ou Ponga (Maranhão); Samba-corrido, Samba-de-roda,
Bate-baú, Samba-de-Chave e Samba-de-barravento (Bahia), Bambelô (Rio Grande
do Norte), Coco (Ceará), Trocada, Coco-de-parelha, Samba de coco e Coco-travado
(Pernambuco) e Partido-alto, Miudinho, Jongo e Caxambu (Rio de Janeiro). Quanto
ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser
originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à
Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há
quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do
Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.
ALGUNS DESDOBRAMENTOS
RÍTMICOS DO SAMBA:
• O samba ao longo dos anos tem se
apresentado com muitas variantes rítmicas.
Dentre as mais conhecidas, destacamos, o
samba-de-breque, samba-exaltação, samba-deterreiro, samba-enredo, sambalanço, samba-dequadra, sambalada, samba-chulado, sambaraiado, samba-coco, samba-choro, sambacanção, samba-batido, samba-funk, samba-departido-alto e samba de gafieira.
PAGODE NO FINAL DA DÉCADA
DE 1970
• No final da década de 1970 um grupo de cantores e
compositores fazia uma roda de samba embaixo da
tamarineira, na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique
de Ramos, no subúrbio carioca de Ramos. Entre os que
ficariam conhecidos anos depois, estavam Jorge
Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Deni
de Lima, Luiz Carlos da Vila, Carlos Sapato, Neoci,
Dida, Bira Presidente, Ubirani, Almir Guineto, Sereno,
entre outros.
• Alguns instrumentos davam uma sonoridade peculiar
àquele grupo, como banjo com braço de cavaquinho
• A própria formação sonora era um pouco diferente com
tantã e repique-de-mão.
• Alguns desses músicos viriam a ser reconhecido
quando Beth Carvalho os convidou para
participar de seu disco “Pé no chão”, de 1978,
produzido por Rildo Hora.
• Dois anos depois o grupo, com o nome de
Fundo de Quintal, lançava o primeiro disco pela
RGE e estava formatado o pagode carioca, que
viria a influenciar todas as gerações de
sambistas posteriores.
• Na década de 1980 despontaram para o
sucesso Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo
de Quintal, Dona Ivone Lara.
Século XXI
• No início do século XXI o samba retoma a tradição do
partido-alto a partir do ano 2000, quando surgiram
diversos artistas em vários estados. No Rio de Janeiro
surgiram Teresa Cristina e Grupo Semente, Marquinhos
de Oswaldo Cruz e tantos outros que contribuíram para
a revitalização da Lapa, no Rio de Janeiro.
• Em São Paulo o samba retomou a tradição com shows
no Sesc Pompéia e ainda através do trabalho de vários
grupos, entre eles, o grupo Quinteto em Branco e Preto
que desenvolvia o evento “Pagode da Vela”, tudo isso
fez com que vários artistas do Rio de Janeiro, além de
shows, fixassem residência em São Paulo, São
Matheus, Santos e pequenas cidades e bairros
periféricos da capital.
O SAMBA – PATRIMÔNIO
CULTURAL DA HUMANIDADE:
• No ano de 2004 o Ministro da Cultura, Gilberto Gil,
apresentou à UNESCO o pedido de tombamento do
gênero “Samba”, sob o título de “Patrimônio Cultural da
Humanidade”.
• O Samba (bem imaterial), assim como a “Festa do Círio
de Nazaré”, de Belém do Pará, faz parte das 13
manifestações artísticas, religiosas e gastronômicas do
Brasil que disputam no Instituto Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) receber a consagração nacional.
• Segundo Márcio Vieira – Secretário de Articulação
Institucional do Ministério da Cultura – a característica
mais importante para a Unesco é a singularidade.
• Ou seja, tem que ser uma coisa realmente única e
especial para merecer o título de “Patrimônio da
Humanidade”.
Faixa 17: Maracatu de Chico Rei
(Mignone)