Da Política dos Estados À Política Das Empresas

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Transcript Da Política dos Estados À Política Das Empresas

Da Política dos Estados À
Política Das Empresas
MILTON SANTOS
PALESTRA PROFERIDA EM 14 DE OUTUBRO
DE 1997, NA ESCOLA DO LEGISLATIVO
“É possível entender o mundo e o Brasil a
partir do espaço geográfico”
Ambientação histórica
 Territorialidade absoluta:

Os moradores pertenciam àquilo que lhes pertenciam – o território.

Sentido de identidade entre as pessoas e o seu espaço geográfico.

A produção dava uma noção de limite e levava a uma
compartimentação do espaço.

Para manter a identidade e os limites era necessária a ideia de
domínio – poder.

Poder, política, economia, cultura e linguagem eram indissociável.

Cria-se a ideia de comunidade – limitada ao espaço.
Ambientação histórica
 Sobre as técnicas:

Nascem marcadas pelas possibilidades que elas oferecem aos
homens – Rev. Industrial : técnica das máquinas – produção,
transporte e comunicação – muda a relação entre países e indivíduos
e leva ao “desencantamento”.
Comportamentos previsíveis

Previsibilidade assegura uma visão mais racional do mundo, dos
lugares e conduz a uma organização sócio técnica do trabalho, do
território e do fenômeno do poder.
Ambientação histórica
 Democracia e cidadania plena:

Ética e política glorificavam o indivíduo e a coletividade, onde ambos
eram responsáveis pelo enriquecimento recíproco.

Cidadania plena é o grande guardião contra o capital pleno.

A cidadania nunca chegou a ser plena, mas foi quase isso nos 30 anos
após a Segunda Guerra – final da década de 70.

A quase plenitude da cidadania era paralela à quase plenitude da
democracia.

O fim do crescimento geral do mundo leva à morte do cidadão pleno
e da democracia plena => globalização.
Globalização idealizada
 A globalização sonhada pela humanidade e viabilizada pelo processo
técnico não é a globalização que se realizou.
 Quando alcançou o nível superior ela deixou de ser à serviço da
humanidade e passou a ser contra ela.
Globalização idealizada
 Globalização e internalicionalização são coisas diferentes.
 Sistema-mundo (Fernad Braudel)

Pontes ligando o comercio entre países => redução dos esforços de
cada um => valorização das cidades, de onde era feita a economiamundo => aumento da riqueza de seus habitantes.
 As etapas que levaram a globalização:

Capitalismo mercantil-industrial => indústria => grande industria
=> mundialização

Essas etapas se davam em paralelo à construção e aperfeiçoamento
do Estado Nacional, Estado de Direito e Estado Social.
Globalização idealizada
 Ideias filosóficas ligadas a uma ética de solidariedade.
 O individuo vivendo e fazendo crescer a ideia de sociedade.
 Uma sociedade que se agigantava por obrigar o respeito ao indivíduo.
 Os Estados responsáveis por suas nações.
No período propriamente tecnológico da história
da humanidade esse sonho se desfaz.
Globalização de fato
 Globalização como uma fábula, uma perversidade ou uma possibilidade?
 Como uma possibilidade => uma ainda não alcançada, mas possível,
com uma sociedade mais verdadeira.
Modelo de Globalização hoje:
 Mais pobres – 800 milhões de novos pobres depois dos anos 60.
 Fome – antes era ocasional, agora é permanente, globalizada, em países ricos e
pobre.
 Sem-teto – espalhados no mundo todo.
 Doenças – retorno de doenças que haviam desaparecido.
 Fim da solidariedade e da noção de moralidade pública e privada.
Globalização de fato
 A sociedade da informação:

Convergência das técnicas a partir da tecnologia da informação.

Tecnologia da informação leva a formação de um tecido de técnicas
sobre o planeta que é a base do processo de produção, das relações
sociais e da política.
 Tecno-ciência

Relação de subordinação entre técnica e ciência que passa a
trabalhar em benefício de grupos específicos e das empresas.
Globalização de fato
 O dinheiro autônomo:

As indústrias tornaram-se autônomas em relação aos bancos.

O dinheiro se impõem como algo autônomo à sociedade e à
economia.

Surgimento da economia do imaterial.
Globalização de fato
 Indústria midiática:

A notícia cada vez menos é espelho do que de fato acontece.

Está concentrada em poucas agencias (intermediação) cujo conteúdo
é reproduzido em larga escala para todo o planeta.

O mesmo ocorre na industria editorial também centralizada nas
mesmas empresas de mídia.
Globalização de fato
 “Imperativo da fluidez”:

A circulação se torna mais rápida, os pontos interligados mais
numerosos, os preços das viagens e do porte das mensagens baixam.

Todos os contextos se intromentem um no outro.

Superposição de contextos => contexto global.

Fronteiras porosas para o dinheiro e a informação.

Fronteiras menos rígidas => enfraquecimento e mudança da
natureza dos Estados Nacionais.
Globalização de fato
 O Estado:

O Estado opera mais em função do mercado do que pelo social –
privatizações / previdências privadas /privatização da educação e
da saúde.

O Estado se retira da política – expulsa os políticos da política – e
entrega ao mercado.

Só que esse mercado global só existe como ideologia, o ator dele são
as empresas globais.
Um outro olhar sobre a questão
Proponho um outro olhar sobre os pontos
abordados por Milton Santos, atualizando alguns
contextos.
Um outro olhar sobre a questão
 Repensando alguns argumentos do texto

“Se o Estado não pode ser solidário, e a empresa não pode ser
altruísta, a chamada sociedade não tem quem a valha.” (pg 17)
É a própria sociedade que pressiona o Estado e as
empresas a atenderem às suas necessidades - seja
na forma de consumidor, seja na forma de eleitor.
Um outro olhar sobre a questão
 Repensando alguns argumentos do texto

“A grande empresa se instala e chega com suas normas...cada técnica
propõe uma maneira particular de comportamento...com normas
políticas da empresa...que alteram as condições de relacionamento
dentro de cada comunidade...Sua presença muda o esquema de
emprego, as relações econômicas, sociais, culturais e morais, e o
orçamento público” (pg 18)
Por outro lado, cada vez mais a dimensão local é fator decisivo no
diferencial dos produtos e serviços.
Alem disso, se não há integração cultural local uma empresa não
consegue se manter no território por longo prazo – está mais sujeita
à situações de crise – ex. comunidades nas linhas férreas da Vale.
Um outro olhar sobre a questão
 O comportamento do consumidor mudou

A sociedade é formada por grupos de consumidores. Consumidor
não é um grupo como idosos, crianças, formadores de opinião.

Consumo é uma ação executada por todos os grupos sociais.

O consumo é cada vez mais consciente:

Consumidor está mais informado, participa, fala, dá sua opinião.

Consumidor cidadão, que Canclini desenvolve em sua teoria, cada
vez mais exerce sua cidadania através da escolha dos produtos e
serviços, e mesmo na negação do consumo de determinadas
categorias que ele defende como prejudiciais. Ex. refrigerante.
Um outro olhar sobre a questão
 O comportamento das empresas está mudando

Preocupação em construir reputação corporativa – Reputation
Institute e bônus dos executivos baseados em índices de reputação
• As Mais Admiradas – Fortune
• Ranking das Melhores Marcas
Mundiais – Business Week e
Interbrand
• Reputation Quotient (RQ) Gold
Study – Harris Interactive e
• Reputation Institute no The Wall
Street Journal
Um outro olhar sobre a questão
 O comportamento das empresas está mudando
A construção de uma
reputação sustentável requer
alinhamento entre o que a
alta administração almeja (a
visão estratégica da
empresa), as crenças dos
empregados (componente
da cultura organizacional) e
o que os stakeholders
externos esperam ou
desejam da empresa.
Um outro olhar sobre a questão
 O comportamento das empresas está mudando

Conceito de stakeholders – não mais como o público de interesse,
mas como o público de relacionamento da corporação.
Um outro olhar sobre a questão
 O comportamento das empresas está mudando

Ampliação da função social das corporações - contra posição à
teoria de Milton Friedman.

A função social das corporações não ocorre porque o Estado se torna
mínimo, mas porque os stakeholders exigem / reconhecem /
valorizam – e isso reflete em índices de reputação e,
consequentemente, em fidelização de consumo.

A integração com a dimensão cultural local é decisiva para uma
atuação sustentável e construção de reputação.
Um outro olhar sobre a questão
 As tecnologias de comunicação e informação levam
ao exercício de cidadania

Modelos de trabalho à distância, acesso à tecnologia, outras
configurações corporativas – como a do google – possibilitam o
reencantamento (“desencantamento por comportamentos
previsíveis).

Governos autoritários estão caindo a partir de movimentos que se
iniciaram nas redes sociais – ex.: Free Iran no Twiter.
Um outro olhar sobre a questão
 As tecnologias de comunicação e informação levam
ao exercício de cidadania

Empresas com práticas não sustentáveis estão mais expostas .
Um outro olhar sobre a questão
 Repensando alguns argumentos do texto

“A partir da expropriação da política pelas empresas, elas retiraram a
política das mãos de quem pode fazê-la que é o Estado, os políticos.
Nós substituímos a ideia de democracia pura pela ideia de
democracia de mercado.” (pg 19)
O modelo de EDD que passou a existir no Brasil
com a CF de 88 se baseia na coparticipação de
todos os agentes nos processos de formulação e
implementação de políticas públicas.
Estado Democrático de Direito
A construção do Estado Democrático de Direito
1ª geração:
 Estado Liberal de Direito (Rousseau, Sec XIX)
 Direitos individuais
 Os direitos são em oposição ao Estado.
2ª geração:
 Estado Social de Direito (Marx, 1917 e Weimar,1919)
 Insere os direitos sociais
 O Estado presta serviços à sociedade
Praticamente não chega a ser implantado com o início da Segunda
Guerra Mundial
Estado Democrático de Direito
A construção do Estado Democrático de Direito
3ª geração:
Estado Democrático de Direito (CF, 1988)
• Direitos difusos => não há titularidade
• Direitos de cidadania => a participação vai além do voto
Estabelece-se uma nova forma de se relacionar com o Estado:
• O cidadão não se posiciona contra o Estado.
• O cidadão não é mais um cliente que espera o que o Estado pode
fazer por ele.
• A participação popular faz parte do processo de governo.
• O cidadão é co-participante e responsável pelo processo.
Estado Democrático de Direito
Capitalismo contemporâneo:
• Propriedade privada – voltadas para o lucro e o consumo privado;
• Propriedade pública – vinculadas ao governo, com quadro de
funcionários públicos;
• Propriedade pública não-estatal – entidades do terceiro setor,
organizações não-governamentais e organizações voluntárias, sem fins
lucrativos. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público –
OSCIPs (Lei 9.790/99). São instituições de direito privado voltadas
para o interesse público.
Estado Democrático de Direito
28
Articulação entre os setores
Primeiro setor
(governo)
Transferência de suas funções
=> Estado mínimo gestor
Terceiro setor
Segundo setor
(empresas privadas)
Braço social das empresas
Estado Democrático de Direito
Estrutura institucionalizada de participação no EDD
Estado Democrático de Direito
Processo de desenvolvimento de uma Política Pública
Concluindo
 O mundo conectado (não o globalizado), pede um
olhar menos dualista das relações.

A “sociedade” (comunidades locais) não é um ente desprotegido e
fragilizado. Ela se configura em grupos que, quando organizados,
possuem poder sobre seu espaço físico.

Desde o fim da Guerra Fria o mundo não se divide mais em dois, mas
em um mundo multipolarizado– BRICS, Mercosul, União Europeia,
OEA etc
Concluindo
 Milton Santos questiona se a competitividade é
mesmo necessária

O que podemos questionar hoje é se o modelo de competitividade é o
mais sustentável – econômica, política, social, ambiental e
culturalmente.
Desenvolvimento Sustentável
Econômico:
• Aumento efetivo da renda
das pessoas;
• Aumento da capacidade
produtiva da região;
Social:
• Acesso à educação;
• Atenção à terceira idade;
• Redução da exclusão.
• Integração das cadeias
produtivas locais à cadeia
produtiva que a empresa
está inserida;
• Informação e
conhecimento como fatores
econômicos
contemporâneos.
Cultural:
• Preservação do
patrimônio cultural;
• Valorização das
manifestações
culturais;
• Incentivos à
produção cultural;
• Valorização das
identidades locais.
Ambiental:
• Respeito às leis ambientais;
• Preservação do espaço urbano/rural;
• Valorização de ecossistemas.
Desenvolvimento Sustentável
Desenvolvimento
humano e ambiental
Eqüidade social
Distribuição
de benefícios
Território
Interesses
econômicos
Preservação
do meio
ambiente
Oportunidades
futuras
Respeito às
diferenças
culturais
Articulação
com o
território
Inovação e
Empreendedorismo
equilíbrio
Empresas
Organizações
Comunidade
Sustentabilidade
Governo
Participação
social
Concluindo
 Milton Santos questiona o território com abrigo e o
território como recurso

Ele é abrigo e recursos para as micro, pequenas e médias empresas.

Ele é só recursos para as grandes empresas => segundo o autor, foco
das políticas de Estado.
Concluindo
 O modelo em rede traz uma codependência entre o
conjunto de empresas:

Arranjos Produtivos Locais – funcionam exatamente pela
participação das diferentes empresas (de vários portes) no
processo produtivo tornando a região competitiva
mundialmente – valorização cada vez maior da cultura local
como diferencial competitivo

Complexos industriais – distribuição do processo produtivo por
diversas regiões viabilizando a produção – internalização da
cultura local para ter governabilidade

Redes tecnológicas e economia imaterial – talvez seja a que
mais reproduz os modelos padronizados globalmente.
Concluindo
 Milton Santos questiona o território como mercado

A dimensão produtiva dos territórios é definitivamente a que produz
mais efeitos – bons e ruins – no dia-a-dia das pessoas / comunidades
/ cidades / estados / países

Isso empodera o consumidor-cidadão:

Ele está cada vez mais crítico e consome a partir da percepção
da reputação corporativa.

A busca pela reputação corporativa leva à ampliação da função
social das empresas.

Empresas, Estado, Sociedade Civil Organizada tornam-se de
fato corresponsáveis pelo bem-estar social.
Obrigada
Patrícia Reis
[email protected]