Transcript DOIS IRMÃOS MILTON HATOUM
DOIS IRMÃOS
MILTON HATOUM
Divulgação Publicado no Brasil em 2000, 'Dois irmãos' (capa) foi traduzido para o árabe por editora libanesa
DOIS IRMÃOS
Milton Hatoum apresenta um romance com um drama familiar em cujo centro estão dois filhos de imigrantes libaneses: os gêmeos Yaqub e Omar.
ENREDO
O romance
Dois irmãos,
de Milton Hatoum, tem como pano de fundo a cidade de Manaus, que no início do século XX, recebeu estrangeiros de várias nacionalidades entre eles os libaneses, como o jovem Halim e o viúvo Galib com sua filha Zana ainda menina (seis anos). O viúvo Galib é dono de um restaurante perto do porto, onde Halim conhece Zana, apaixonam-se e casam gerando três filhos: Rânia, que nunca vai casar, e os gêmeos Yaqub e Omar, que viverão num permanente conflito.
ENREDO
Dois irmãos
é a história de como se faz e se desfaz a casa de Halim e Zana. Apaixonado pela mulher, depois do nascimento dos filhos, Halim se condena à nostalgia dos tempos em que não era pai, em que não precisava disputar o amor de Zana, em que os dois tinham todo o tempo do mundo para deitar na rede do alpendre e se entregar aos prazeres sensuais.
ENREDO
O casarão que habitam é servido por Domingas, a empregada índia, e mais tarde também pelo filho de pai desconhecido que ela terá. Esse menino (NAEL) — o filho da empregada — será o narrador. Trinta anos depois dos acontecimentos, ele conta os dramas que testemunhou calado.
A METÁFORA DA DUALIDADE , O sentimento de deslocamento é o que sustenta a narrativa, e traz o drama familiar para a esfera do universal.
Segundo Hatoum, o imigrante é um sujeito dividido, sofre de uma espécie de dualidade do lar, da pátria. Nesse sentido, os dois irmãos (Yaqub x Omar) funcionam como uma metáfora dessa dualidade.
A METÁFORA DA DUALIDADE Um se identificando mais com o Brasil e o outro se sentindo estrangeiro, diferente, muitas vezes sendo referido apenas como “o outro” pelo Narrador, que, por sua vez, também é um deslocado, filho da empregada com um dos gêmeos, mas sem saber qual deles.
O NARRADOR
Nael, filho da empregada (espécie de agregada) da família libanesa, conta a história de dois irmãos de personalidades opostas e ódio inevitável, Yaqub e Omar (tema, aliás, já explorado por Machado de Assis em
Esaú e Jacó
).
O NARRADOR
Mas a narrativa, que aparentemente se centra na rivalidade entre os irmãos, mostra-se aos poucos uma história complexa, uma última tentativa de Nael descobrir a identidade de seu pai, pois, como o leitor vai descobrindo ao longo da história, a mãe de Nael, Domingas, era apaixonada por Yaqub, mas fora abusada pelo inconseqüente Omar, privando o filho, o narrador, da certeza sobre suas origens, se fora o amor ou o abuso, o irmão ambicioso e trabalhador ou o rebelde e violento.
A BUSCA DA IDENTIDADE
A questão da busca pela identidade, aliás, é tema central em
Dois Irmãos
, em toda a obra de Hatoum e em boa parte da literatura brasileira contemporânea, tornando-se uma questão potencial nos vestibulares. Mais do que tentar descobrir quem é seu pai, Nael busca descobrir se, encontrar seu lugar no mundo assim como seus patrões imigrantes tiveram de se adaptar numa nação distante e desconhecida, deixando atrás desse esforço um rastro de incompreensão, mágoas e saudades.
A BUSCA DA IDENTIDADE
. A estratégia para reconstruir essa identidade é a memória; já no primeiro capítulo do primeiro livro de Hatoum lê-se a frase “a vida começa verdadeiramente com a memória” e, de fato, é a memória que inaugura e guia a narrativa. A memória e seus desencontros, suas lacunas, sua atemporalidade.
ENREDO
A história se inicia com a volta de Yaqub, que, por ordem do pai, fora enviado, com treze anos, ao sul do Líbano um ano antes da 2ª Guerra, no intuito de aliviar os atritos entre os irmãos. Considerado frágil e demasiadamente problemático, Omar fica no Brasil, solidificando-se, assim, a superproteção iniciada na infância.
ENREDO
Por meio da memória de Domingas, explicita se o evento que originou o envio de Yaqub para o Líbano (quando tinha 13 anos) e a cicatriz que passou a carregar no rosto. Na disputa por Lívia, uma garota loira que flertava com ambos, Omar cortou o rosto do irmão com um estilhaço de garrafa, deixando-lhe a tal cicatriz. Vendo que a relação dos dois se tornara perigosíssima, Halim resolvera então mandar Yaqub bara o Líbano.
ENREDO
Cinco anos mais tarde, a volta de Yaqub marca a existência de uma nova pessoa: um jovem calado e cheio de mistérios que escondiam os segredos de sua permanência fora do país. Sozinho, sem possibilidade de reconciliar-se com o irmão Omar e ainda sendo excluído pela mãe, que continuava a proteger o irmão, segue para São Paulo, onde, recusando a ajuda financeira dos pais, forma-se em Engenharia Civil, ascendendo socialmente, e se casando de forma misteriosa (com Lívia), comunicando a família por meio de um telegrama .
O ENREDO
Enquanto Yaqub trilhava os caminhos do sucesso, Omar se perdia em bebedeiras, noitadas e sucessivos escândalos. Ao ser enviado a São Paulo para tentar obter o êxito do irmão, ou que sabe amenizar as diferenças, descobre que ele se casou justamente com a jovem Lívia, paixão de ambos desde a infância e causadora da briga que gerou a cicatriz em Yaqub. Faz desenhos obscenos nas fotos do álbum de casamento do irmão, apertando ainda mais os laços de inimizade entre os dois.
O ENREDO
Em seguida, rouba dinheiro do irmão e foge para os Estados Unidos. Morre Halim e, pouco tempo depois, Omar faz amizade com o indiano Rochiram, que pretendia construir um hotel em Manaus. Zana, na tentativa de unir os filhos e desejosa de que abrissem uma construtora, escreve a Yaqub, pedindo uma espécie de perdão ao filho e propondo o negócio, ocultando lhe a participação do irmão.
ENREDO
Ao sentir se traído, quando a irmã Rânia lhe mostra a carta da mãe à Yaqub, Omar fica tomado por um ódio incontrolável e espanca o irmão, mandando-o para o hospital. Inicia-se, então, uma verdadeira caçada que se encerra com a prisão e condenação do Caçula a dois anos e sete meses de reclusão. O indiano Rochiram, vendo seus negócios fracassarem, exige que a irmã dos gêmeos, Rânia, venda a casa em que vivem para pagamento das dívidas.
ENREDO
Surge, assim, no local, a Casa Rochiram, uma loja de quinquilharias importadas de Miami e Panamá. Nael fica com um pequeno quadrado no quintal, ao qual Rânia denominou a herança. Durante todo o desenrolar da história, Nael lutava ao lado da mãe, assoberbado, sem muito tempo para os estudos. Sente se, com isso, injustiçado. Nunca desistiu de arrancar dos membros da família a identidade de seu pai, que sabia estar em um dos gêmeos.
ENREDO
No jogo de interditos, juntando os cacos do passado, Nael se empenha em descobrir a verdade.O livro se encerra com um encontro mudo entre Nael e Omar, numa tarde escura e de chuva torrencial em Manaus. Nael espera que o possível pai ou tio peça perdão por todo sofrimento que causou à família, de quem Nael é, de alguma maneira, o herdeiro. Espera também que Omar lhe dê alguma explicação para o fato de ter estuprado sua mãe. Mas, tudo termina com o silêncio de Omar, como se ele assumisse a característica taciturna do irmão.
PERSONAGENS
HALIM = É o pai dos gêmeos e apresentado como um homem frágil, sem ambição e dominado por Zana, sua esposa. O amor por Zana é a razão de sua vida e, portanto, aceita sua condição por amor à ela. Rejeita os filhos mesmo antes desses nascerem, vendo-os como rivais (principalmente, Omar). Sente-se impotente diante dos acontecimentos. As atitudes que toma são sempre com um objetivo: reaver o amor absoluto de Zana. Morre só, sentado no sofá da sala.
PERSONAGENS
ZANA = É a matriarca do clã e mãe dos gêmeos. Uma mulher controladora e manipuladora que acaba sempre conseguindo o que quer. No entanto, não consegue administrar seu papel de esposa e mãe, ficando dividida entre o marido e a ralação “incestuosa” com o filho Omar. Rejeita o outro filho, Yaqub e parece não perceber a relação incestuosa que há entre a filha Rânia e os irmãos. Morre remoendo a culpa em relação ao marido e ao conflito desencadeado entre os filhos.
PERSONAGENS
YAQUB = É o filho mais velho dos gêmeos, rejeitado pela mãe e criado por Domingas, a índia empregada da casa. Será mandado aos 13 anos para o Líbano, por uma desavença séria com o irmão, retornando somente após o fim da Segunda Guerra, já com 18. Dono de uma personalidade retraída, sofreu com as privações que passou no exterior e sofre ao retornar para Manaus, tanto por não se adaptar à realidade local quanto pelos conflitos com a família e com Omar, que possuía uma personalidade avessa à sua.
PERSONAGENS
YAQUB = Destaca-se nos estudos de matemática e na primeira oportunidade parte para São Paulo, onde se tornará um engenheiro bem sucedido e conservador. Casa se com Lívia, a namoradinha de sua adolescência. Transformará todas as suas frustrações e traumas em mágoa e recalque, de tal forma que para Rânia, quando Omar é preso, o silêncio de Yaqub é a materialização de uma vingança arquitetada ou esperada há muito tempo.
PERSONAGENS
OMAR = Ao contrário de Yaqub, cresceu sob os mimos da mãe. Por sua personalidade sedutora e expansiva, acaba reinando na casa, praticamente sem limites. Transforma-se, assim, em um homem inconseqüente, irresponsável, amante da boêmia e das bebedeiras, sem comprometer-se com nada, nem mesmo com o estudo. Aparentemente forte, pois no fundo era dominado pelo amor doentio da mãe e da irmã. Seus relacionamentos amorosos eram sempre interrompidos por interferência de sua mãe. Nunca consegue enfrentá-la.
PERSONAGENS
OMAR = Expressa um empenho nos negócios (construção de um hotel em parceria com um indiano), porém sofre a traição do irmão, que vê a oportunidade de vingança. É o personagem com o qual o autor fecha a narrativa, mostrando-o em toda a sua decadência.
PERSONAGENS
RÂNIA = Irmã mais nova dos gêmeos. Parece ser manipulada pela mãe e quando se interessa por um único homem, que não era do gosto de Zana, acaba não levando adiante tal interesse. Termina não se casando, pois idealiza um homem que fosse uma mistura dos dois irmãos, por quem tem um fascínio e mantêm uma relação incestuosa. Assume o lugar do irmão mais velho nos negócios do pai, desprendendo se da figura da mãe.
PERSONAGENS
DOMINGAS = Índia adotada ainda pequena pelo casal Halim e Zana. Viverá como uma agregada. É a mãe do narrador da história, Nael. A paternidade de seu filho será um mistério ao longo do livro, pois parece que ela não tem como saber quem a engravidou, se Yaqub (a quem se entregou por vontade) ou Omar (que a tomou à força). Exercerá o papel de guardiã da memória das coisas da casa, de suas histórias e lembranças.
PERSONAGENS
NAEL = O narrador e também personagem, vai construindo a sua própria história no decorrer da narrativa. Só vai ter certeza de ser filho de um dos gêmeos, mas nunca de qual, quando sua mãe já era velha e finalmente lhe conta que amava Yaqub mas fora estuprada por Omar. Sente-se amado somente por Halim e pela mãe. Sofre pela maneira como a mãe é tratada na casa, protege-a do jeito que pode.
PERSONAGENS
NAEL = Sente mágoa pela forma como é tratado pelos outros membros da família, descreve várias situações em que é humilhado. Vê a mãe como uma mulher sem ação, que nunca se arriscou em busca de sua liberdade. Admira Yaqub e deseja ser seu filho, mas acaba decepcionando-se com o mesmo ao dar-se conta de que o seu comportamento era tão danoso quanto o de seu irmão Omar. Espera em vão pelo pedido de perdão de Omar pela agressão à mãe. Apesar do boicote aos seus estudos, persiste e torna-se professor.
PERSONAGENS SECUNDÁRIOS GALIB = Pai de Zana. Dono do restaurante Biblos. LÍVIA = “A menina aloirada” = objeto de desejo dos dois irmão = casa-se com Yaqub.
DÁLIA = Dançarina que terá uma relação amorosa com Omar.
PAU-MULATO = Negra contrabandista = amante de Omar. Vivia em um barco.
PERSONAGENS SECUNDÁRIOS LAVAL = Professor de francês que faz a formação literária dos rapazes da região, incluindo Nael. Poeta ensandecido, chega a manter uma relação sexual com Rânia. Envolvido em atividades consideradas subversivas dentro do contexto político do Golpe Militar de 1964, é espancado e morto pela polícia da Ditadura.
PERSONAGENS SECUNDÁRIOS ROCHIRAM = Indiano com quem Zana tenta fazer um último negócio para reconciliar os gêmeos, na área da construção civil. Com o fracasso da empreitada, o indiano acaba ficando com o armazém (único negócio) da família, uma proposta que Yaqub obriga Rânia a aceitar. Assim, a casa e o negócio passam ao indiano, restando a Nael, um pequeno terreno nos fundos da construção.
A PRECARIEDADE DA MEMÓRIA
DOIS IRMÃOS
é um grande tratado sobre a precariedade da memória, a luta constante contra o esquecimento, contra as transformações provocadas pela ação do tempo que a tudo consome. Na verdade, é como se este narrador fosse a memória daquela família prestes a desaparecer nos costumes pasteurizados dos nativos e dos novos proprietários e detentores do poder.
O JOGO DE ESPELHOS Aparentemente Yaqub seria o retraído, o racional, o estudioso, o vencedor, ao passo que Omar, o expansivo, o impulsivo, o vagaundo, o derrotado. Num interessante jogo de espelhos, essas características migram, no final da obra, de um irmão para o outro. O monopólio da violência, que parecia pertencer a Omar, mostra se ativo na vingança de Yaqub. Outra transformação clara de personalidade se dá no encontro final entre Omar e Nael. O caçula se tornou apenas um arremedo (imitação ridícula) daquele tipo vivaz e expansivo. Torna-se silencioso como o irmão.