Psicoterapia Cognitiva Narrativa: Manual de Terapia Breve

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Gonçalves, O.

Psicoterapia Cognitiva Narrativa: Manual de Terapia Breve

. Campinas:Editorial Psy. 1998 1

Em torno deste conceito, organiza-se uma malha de quatro pressupostos:

1.1.

Existência como conhecimento;

1.2.

Conhecimento como hermenêutica;

1.3.

Hermenêutica como discurso narrativo;

1.4.

Discurso narrativo como cultura.

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Psicólogos

conhecimento = processo de construção ativa = indissociável da existência ( conhecimento = experiência ).

Objeto da psicologia

contexto da experiência do indivíduo (não no sentido das representações do mundo “lá fora” mas como um processo contínuo de construção do mundo através da própria vida)

Todos os seres conhecem, reconhecem, transformam e transformam-se no decurso de sua existência.

Visão Intrapsíquica

visão existencial .

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Todo conhecimento (e por implicação, toda existência) tem uma natureza inerentemente hermenêutica.

Hermenêutica

interpretação textos sagrados (leis).

Subjetividade hermenêutica

ordem, sentido e coerência.

necessidade psicológica de dar Vivemos hoje, não no

UNIVERSO MULTIRREALIDADE

mas num

MULTIVERSO

= Assim, compreender o comportamento humano é compreender os sistemas interpretativos utilizados pelos sujeitos no sentido de expandir e dar significado às suas experiências.

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O conhecimento é indissociável da existência.

Existência

conhecimento

processo hermenêutico de construção de significados (LINGUAGEM).

A multiplicidade de significados só é possível graças ao poder criativo e múltiplo da linguagem.

Linguagem

fenômeno psicológico de 1ª ordem = elemento fundacional da experiência.

Narrativa = não escolhemos = algo que somos.

Tal como a vida, a narrativa é inerentemente aberta e multipotencial , abrindo-nos para uma multirrealidade e multirracionalidade .

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Discurso Narrativo

narrativa não é um ato mental individual = produção discursiva de natureza interpessoal.

Toda narrativa = todo conhecimento

localizada = contexto.

Significados = só fazem sentido quando localizados no espaço/tempo = contexto interpessoal que os enquadra.

Narrativas = formas de significação = contexto dialógico, situando-se no espaço da interindividualidade.

Dão sentido à existência, tornando a experiência comum = dar sentido é sobretudo tornar comum.

Sou tanto mais autor quanto menos idêntico .

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Os pressupostos põe em questão: 1) A crença na existência de elementos de uma realidade interna essencial.

2) A existência de um ser humano completamente individualizado e autônomo.

Decorrem implicações clínicas em 2 níveis: 1º) Uma nova concepção de psicopatologia, equacionando a fenomenologia da perturbação, não como o reflexo de uma disfunção interna, seja ela “mental” ou “neurobiológica”, mas como um disfuncionamento do próprio discurso narrativo.

2º) Uma psicoterapia que deixará de metaforizar o terapeuta como doutor da interioridade e da individualidade, e que procurará criar condições, no contexto da realidade conversacional que é a terapia, para um desenvolvimento da

coerência

,

complexidade

e

multiplicidade

do cliente.

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A psicopatologia, como processo de significação, é o produto da interação entre sistemas de significação de paciente e especialista

caracterização da psicopatologia = existência, e não a sua essência.

A psicopatologia é uma produção discursiva de organização de significados, indissociável de uma contextualização conversacional e sociocultural

as psicopatologias mudam, quando mudam os pacientes, os tempos, as culturas e os especialistas.

A psicoterapia o interlocutor.

ouvir as narrativas do cliente como uma forma de compreender os seus sistemas de significação = expandir estas formas de significação

Não há pois psicopatologia sem interlocutor, e outra eventualmente seria a patologia, se outro fosse As significações do cliente existem numa realidade conversacional com as significações discursivas do próprio terapeuta.

Mas... Como as significações se organizam na matriz narrativa do indivíduo?

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Há 3 dimensões centrais da matriz narrativa: (1) coerência, (2) complexidade e (3) multiplicidade.

Viver narrativamente é ser capaz de explorar múltiplas narrativas do passado, presente e futuro

( multiplicidade narrativa

da nossa existência

),

enriquecer estas narrativas por uma variedade de processos e atitudes que nos dêem conta da multipotencialidade de cada instante episódico

( complexidade narrativa )

e construir um sentido de conexão intra e inter-narrativas

( coerência narrativa )”

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Psicoterapia Cognitiva Narrativa

da construção do conhecimento.

narrativas = elemento central Objetivo

levar o cliente a construir uma realidade múltipla de experiências sensoriais, emocionais, cognitivas e de significação.

Nesta perspectiva

a perturbação psicológica é provocada pela incapacidade de dar conta da diversidade e potencialidade da experiência através da organização de um discurso narrativo que seja simultaneamente diversificado, complexo e coerente.

Processo terapêutico: 5 fases (1) recordação: identificar elementos episódicos da experiência; (2) objetivação: explorar a multiplicidade do mundo sensorial; (3) subjetivação: identificar a variedade de experiências internas, emocionais e cognitivas; (4) metaforização: diferenciação de significações da experiência; (5) projeção: elaboração de possibilidades alternativas para narrativas de futuro.

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(1) recordação

Revisão episódica de vida = cada ano da vida. É a capacidade de singularizar episódios significativos da vida que faz de cada indivíduo um autor da sua própria narrativa.

É uma atitude não só voltada ao passado, mas igualmente voltada para o futuro = narrativa prototípica.

No final desta fase espera-se que o cliente esteja mais consciente do

sentido de autoria

que tem construído à medida que se vai abrindo à exploração dos

episódios da sua vida diária

que a escreve.

, como condição de diferenciação da sua própria narrativa e, por conseguinte, do respectivo autor

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(2) objetivação

A objetivação = elemento essencial para uma atitude de construção narrativa = A realidade constitui um incomensurável menu de que o cliente em situação de perturbação raramente desfruta.

O cliente é levado a experienciar a multiplicidade de realidades externas , através de toda a dinâmica = capacidades sensoriais.

O objetivo = a cada momento = o cliente se aperceba da complexidade e versatilidade das experiências na sua riqueza sensorial –

aquilo que vê, que ouve, os odores e sabores que ele é capaz de identificar, bem como a multitude de experiências táteis e cenestésicas que a experiência lhe proporciona.

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(3) subjetivação

Na subjetivação o trabalho de construção múltipla prossegue

variedade de exp. emocionais e cognitivas.

Exercícios de ativação emocional

o cliente vai alargando o leque da sua experiência emocional = dar conta de emoções que antes não reconhecia .

Só através de uma emocional e cognitiva, para assegurar a viabilidade dos seus mecanismos de adaptação.

flexibilidade da sua experiência poderá o cliente estar capacitado Viver uma realidade múltipla é ser capaz de construir múltiplas versões dessa realidade .

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(4) metaforização

As metáforas = condensadores de significado = damos sentido a cada uma das recordações que vamos experimentando sensorial, emocional e cognitivamente.

Na metaforização = produzir múltiplos significados para cada memória episódica , que vive ou intencionaliza = enriquecer intencionalmente a experiência.

METÁFORA RAIZ

forma prototípica idiossincrática de organização dos significados de sua vida, realizada clinicamente através do processo de metaforização da própria narrativa-protótipo.

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(5) projeção

Projeção

indivíduo em constante movimento espaço /tempo = intencionalizar as experiências do futuro .

Cliente

crie suas próprias memórias do futuro

novas metáforas de si próprio = atualizar novos significados, novas emoções, novas cognições, novas sensações.

METÁFORA ALTERNATIVA (no lugar da METÁFORA RAIZ )

nova revisão da história de vida = encontrar e fundamentar = no seu passado histórico, episódios caracterizadores desta nova forma de significação.

O cliente aprende também a reconhecer que o passado é um espaço aberto a múltiplas significações = dependendo do ponto metafórico de partida = podemos construir não só

diversos futuros

, mas também

múltiplos passados .

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Uma atitude narrativa?

A diferença, no fundo, entre ter ou não ter uma atitude narrativa, é um pouco como a diferença que Watzlawick (1984) introduz entre o suicida e o que procura a vida . Enquanto o 1º ( o suicida ) introduz o zero na equação existencial, ao constatar que não consegue encontrar aquilo que procura, o 2º ( o que procura a vida ) percebe que a criatividade inerente ao processo de existir, resulta da existência de uma infinidade de locais de procura. E, acrescentaríamos nós, o reconhecimento de que é a incerteza quanto àquilo que se vai encontrar, que faz do ato da procura um verdadeiro ato criativo .

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“...Cada cliente é considerado único nas suas circunstâncias... Cada sistema terapêutico e cada relação terapeuta cliente são também idiossincráticos... Portanto, se uma depressão não é igual a outra depressão, a experiência que o terapeuta acumula é a habilidade de desconstruir sua escuta fechada, estar em diálogo, de criar um contexto conversacional gerador de novos significados mais libertadores, o que implica, necessariamente, uma atitude de respeito e humildade “

17 Grandesso, M. A.

Sobre a reconstrução do significado: uma análise epistemológica...

SP: Casa do Psicólogo,2000.

Metáfora da Fogueira

Para manter a primeira chama vacilante acesa, necessita-se colocar pequenos gravetos no tempo adequado. Se for colocado apenas um, ele rapidamente será consumido e o fogo apagar-se-á; se forem muitos de uma só vez, ou lenha muito pesada, a chama será sufocada...

Assim, gentil e habilmente cuidada, a chama pode ser alimentada pelo oxigênio, até que, estabelecida, a fogueira possa receber a lenha mais pesada e seguir por si mesma sua vida.

Grandesso, M. A.

Sobre a reconstrução do significado: uma análise epistemológica...

SP: Casa do Psicólogo,2000.

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Entrevista com Prof. Óscar Gonçalves (Presidente da Escola de Psicologia da UM)

OG: Eu fui treinado como terapeuta comportamental... quando comecei a fazer prática clínica... fui fazer o meu estágio no hospital psiquiátrico no Porto ... meu primeiro estágio de facto...eu era um fervoroso crente da ciência psicológica e para mim na altura a tradução da ciência psicológica na prática psicoterapêutica era o comportamentalismo...

Eu podia tratar tudo... Era tudo pequenas variantes a partir deste processo de aprendizagem... Às vezes as grandes revoluções epistemológicas que nós temos são os nossos próprios pacientes que nos trazem. Eu lembro-me de um paciente meu que me ajudou, foi talvez um dos primeiros pacientes que me ajudou a perceber as potencialidades e os limites da crença que eu trazia numa ciência que dava os seus passos mas que tinha ainda muito caminho para andar...Este paciente era um paciente – sorte de principiante que me apareceu à consulta, na altura nós chamávamos-lhe mais uma claustrofobia, hoje chamar-lhe-ia uma perturbação de pânico com agorafobia, era um mecânico que me apareceu à consulta, tinha medo de entrar dentro do carro, trabalhar dentro da mala do carro, andar debaixo do carro…Locais confinados, o típico ataque de pânico, eu lembro-me que terei passado a primeira consulta a fazer uma avaliação cuidadosa de todo aquilo que… das contingências, tudo ali. Mandei-o vir na semana seguinte – não que não o pudesse ver no dia seguinte mas tinha aprendido que era na semana seguinte, portanto mandei-o vir na semana seguinte. Não tinha muitos pacientes portanto preparei cuidadosamente a análise funcional, desenhei o meu modelo terapêutico todo para o processo terapêutico e percebi “eu com x sessões resolvo o problema… faço isto, vou-lhe ensinar aquilo…” na altura sabia a dessensibilização sistemática, que preparei.

E o paciente apareceu-me na consulta seguinte com um ar muito animado e simpático, eu julgo que tinha desenvolvido uma boa aliança terapêutica com ele na primeira consulta, e disse-me “bom eu nem estava

a pensar vir aqui à consulta hoje mas resolvi vir para lhe agradecer porque estou curado”.

E eu costumo dizer que na altura terei pensado que a psicoterapia comportamental sabia que era rápida mas não sabia é que era tão rápida, não é? Isto simultaneamente para um jovem que se inicia nas artes psicoterapêuticas é gratificante e inquietante.

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Gratificante porque “uau, aqui está!”, logo à primeira, uma consulta e este já está curado. Inquietante porque “o que é que eu fiz?”, não é? Sobretudo o que é que eu não fiz, porque eu não fiz aquilo que era suposto fazer, e como é que ele muda sem eu fazer aquilo que deveria ter feito. Bom, o homem lá me explicou o que é que fez, fez aliás uma coisa curiosa, saiu da consulta… e diz ele que na consulta foi particularmente importante aquilo que eu lhe disse – e eu não sabia bem o que é que lhe tinha dito que tinha sido tão importante – e ele disse “mesmo aquilo que o Sr. Dr. me disse no final

da consulta”.

E eu não me lembrava especificamente o que é que de tão importante lhe tinha dito no final da consulta e ele lá me confessou que aquilo que eu disse foi – quando estava já quase a acabar a consulta, ele desesperado a ver que a consulta tinha passado e eu não lhe tinha dado nenhuma prescrição específica – ele disse “ah, sabe, tenho medo que um dia destes eu morra de uma coisa destas, tenha um ataque cardíaco e morra” e eu ter-lhe-ei dito, em jeito de o descansar, “não se preocupe que ninguém morre

de ansiedade, a ansiedade sobe, sobe, sobe e a partir de uma altura não sobe mais”.

E ele foi a pensar nisso e chegou a casa à oficina e pediu ao funcionário que trabalhava com ele, que ia trabalhar para dentro da mala do carro, que fechasse a mala e que ele nem que tocasse que não o deixasse sair de lá, porque ele ia sentir-se muito mal mas não ia morrer daquilo. E portanto eu lembro-me que tive claramente a consciência nesse momento que havia um conjunto de outras coisas que não as aprendizagens específicas, e comportamento, e o pensamento, e as crenças das pessoas que são elementos também muito importantes no processo terapêutico e que se calhar eu não dava muita atenção até a esse ponto. Portanto, isto para te dizer que na altura os modelos comportamentais eram para mim a forma de traduzir aquilo que era o conhecimento da ciência na prática psicoterapêutica, da mesma forma que os modelos cognitivos o foram (particularmente a partir dos anos 60, da grande revolução cognitiva)... Eu vi o Construtivismo um pouco como uma forma de utilizar esses processos para abrir o indivíduo potencialmente aos processos de construção, numa perspectiva de que nós somos capazes de construir o nosso próprio cérebro, de uma forma pró-activa e de uma forma intencional. Confesso... mas desagradou me rapidamente o Construtivismo se transformar numa nova ideologia, numa nova capela conceptual...

GONÇALVES, O. Psicoterapia Cognitiva Narrativa: Manual de Terapia Breve. Campinas:Editorial Psy. 1998 GONÇALVES, M.M. e GONÇALVES, O.F. (coordenação)

Psicoterapia, Discurso e Narrativa: A construção conversacional da mudança

Coimbra: Quarteto, 2007

Constructivism in the Human Sciences

Vol. 4 Nº 1, 1999 http://www.sppc.org.pt/multimedia/dialogicamente_orientadas_-_part_iiiiii http://www.sppc.org.pt/especializa%C3%A7%C3%A3o/terapias_narrativas

Profª Lina Sue – [email protected] – celular (11) 9866.01234

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